Neste mês de julho
estou a ler “A arte de escrever”
de Schopenhauer. Compartilho com vocês aqui um parágrafo, que espero com isso
motivar a Leitora e o Leitor a pensarem, a dançarem, não pensamentos e movimentos alheios, mas os seus próprios. “A mais rica biblioteca, quando desorganizada, não é tão
proveitosa quanto uma bastante modesta, mas ordenada. Da mesma maneira, uma
grande quantidade de conhecimentos, quando não foi elaborada por um pensamento
próprio, tem menos valor do que uma quantidade bem mais limitada, que, no
entanto, foi devidamente assimilada. Pois é apenas por meio da combinação ampla
do que se sabe, por meio da comparação de cada verdade com todas as outras, que
uma pessoa se apropria de seu próprio saber e o domina. Só é possível pensar
com profundidade sobre o que se sabe, por isso se deve aprender algo; mas
também só se sabe aquilo sobre o que se pensou com profundidade.” A experiência do pensamento é algo que tenho aprendido
sistematicamente nas leituras de Hannah Arendt e nos estudos da fenomenologia
em geral. Mas, a motivação atual está em investigar a estreita relação, mas,
não direta, entre pensar e escrever. E, de uma maneira mais precisa, o
entrelaçamento do pensar, escrever e
dançar.
Não é desconhecida a relação entre a dança e o pensamento. O
filósofo Alan Badiou dedica um capítulo do seu livro “Pequeno manual de inestética” sobre a dança
como metáfora do pensamento. A crítica de dança Helena Katz apresenta a dança
como pensamento do corpo. Mas, o que estou aqui a ensaiar diz respeito à dança,
à escrita, e ao pensamento. Indago: Como a dança enquanto pensamento do corpo se
distingue de uma dança – experiência do pensamento? Como a escrita enquanto
expressão do pensamento se distingue de uma escrita – experiência do
pensamento? Como uma escrita da dança
explicita uma experiência do pensamento?
Aprendo no exercício de leitura e de escrita à maneira fenomenológica a atentar para minha experiência de pensar por si mesma. Começo por perceber a
origem de um pensamento no ato pré-reflexivo,
no ato anterior ao próprio pensamento. Medito.
Noto e anoto que a meditação – esta
suspensão ao pensamento e ao ato de pensar
me coloca neste lugar tão caro à experiência
fenomenológica – a volta às coisas mesmas. Atentar para a singularidade do gesto, a
intenção de abrir mão e reduzir-me a uma postura: sentar; reduzir-me a um
gesto: respirar; reduzir a uma palavra: silenciar; reduzir-me ao não pensar:
recomeçar.
E assim, atento para a dança que brota dos gestos do meu
corpo nestas manhãs frias. Movimento e danço no jardim: o corpo no espaço
aberto, o equilíbrio dos pés apoiados
nos tamancos a caminhar no solo irregular
do gramado, desnivelado pelas raízes expostas
da Amendoeira em crescimento exuberante aqui no meu quintal. Danço ao amanhecer,
observo a bela luz dourada do sol, as velozes nuvens, camadas de fina espessuras,
entre chuva e algodão, cortina de espuma no azul suave. O silêncio entre o som dos pássaros e o
martelar da construção ainda ausente. O cheiro inconfundível do café. O frio. Tudo
isto me move, me faz dançar com as flores, para as flores. Danço, sem
patrocinadores, sem editais. Então, para sair desta aparente solidão escrevo. E
compartilho este gesto contínuo do corpo que escreve, pensa, dança, respira,
abre mão dos aplausos, mas pergunta: Leitor e Leitora já pararam para pensar e dançar por si mesmos hoje?