sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Viajar e Dançar

-->
Viajar e  Dançar
Ida Mara Freire
Texto Publicado no Jornal Notícias do Dia, em 07/08/2014. Caderno Plural p. 4



Abertura da WDA, Angers, França, 2014

 A distância é parte da comunicação e o papel  e os deveres do espectador não podem ser equiparados com a passividade, sugere o filósofo Jacques Rancière; pois, em sua atitude perceptiva o espectador, observa, seleciona, compara e interpreta.  E então pergunto como podemos desenvolver novos públicos para a dança? Arrisco uma resposta: deslocando-se no espaço,  dançando ou viajando.   
  
Recentemente retornei   da viagem de estudos na qual  participei, com o apoio da Capes, do evento global da World Dance Alliance [Aliança  Mundial da Dança]  ocorrido de 6-11 de julho em  Angers, França.  Coordenado pela australiana Cheryl  Stock, a WDA ofereceu no Centro Nacional de Dança de Angers e na Universidade de Angers  uma plataforma  para troca de pesquisa acadêmica e trabalho artístico,  nutrindo oportunidades de desenvolvimento na área da dança para os profissionais dos 37 países participantes. Numa atmosfera de compartilhamento, um  sorriso ou um comentário da apresentação eram suficientes para  receber um cartão ou   e-mail com vídeo do trabalho apresentado. 

Em um mundo aterrorizado por amargas divisões  a WDA  sugere examinar o passado para trabalhar um futuro mais humano. Confrontando e desafiando a violência em todas as suas formas, incentiva  abraçarmos a diversidade cultural, buscarmos o conhecimento e a compreensão nos múltiplos pontos de vistas  que a arte pode oferecer.  Neste contexto apresentei  a vídeo dança  intitulada  Stone Water [Pedra e Água] como um ensaio de etnografia visual na qual saliento as texturas da sociedade sul-africana pós-apartheid a partir das imagens que evidenciam o tempo, as relações, o caminhar junto e as mãos dadas, presentes na infância, na percepção do outro e na experiência com a cegueira. Esses gestos que tocam o chão e o ser um do outro mostram que a superfície da pele e as pontas dos dedos são receptáculos de uma memória intercorporal. 
Abertura da WDA, Angers, França, 2014


Por isso, a WDA também interroga:  Como uma coreografia, em seu  renovado foco sobre o lugar da história, articula a relação entre passado, presente e futuro em uma realidade  globalizada? Uma resposta pode  ser a sua leitor ou leitora que lê  esse texto e aprecia a dança.  Em conversa com Jean Lee, pesquisadora da  Universidade de Londres  acerca da formação de plateia, escuto  sua descrição de como espectadores são mais ativos em sua interpretação da dança contemporânea do que  o contar histórias presentes no  balé clássico.  Obviamente,  em experimentos de dança contemporânea, o papel do público está em uma posição mais ativa. Produções de dança com imersão fornecem um ambiente que permite que os espectadores sejam integrados na cena, diluindo a distinção do espaço entre os dançarinos  e a plateia. Esse tipo de cenografia favorece  o público reagir aos movimentos dos bailarinos  com improvisação estruturada  ou frases coreografadas. Ocasionalmente, a plateia precisa dançar ou agir em conjunto com os dançarinos, tornando-se  às vezes coprodutora  ou testemunha da coreografia.  

Quem são e onde estão os novos públicos da dança? Parece-me que a resposta novamente envolve um deslocamento no espaço: o de sair da poltrona do conforto consigo mesmo e entrar  em  cena da arriscada  vida partilhada com o outro.

(*)Professora Associada do Centro de Ciências da Educação da UFSC,  Pós-doutorado em Dança pela Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul.