Viajar
e Dançar
Ida Mara Freire
Texto Publicado no Jornal Notícias do Dia, em 07/08/2014. Caderno Plural p. 4
Abertura da WDA, Angers, França, 2014 |
A distância é parte da comunicação e o papel e os deveres do espectador não podem ser equiparados com a passividade, sugere o filósofo Jacques Rancière; pois, em sua atitude perceptiva o espectador, observa, seleciona, compara e interpreta. E então pergunto como podemos desenvolver novos públicos para a dança? Arrisco uma resposta: deslocando-se no espaço, dançando ou viajando.
Recentemente retornei da viagem de estudos na qual participei, com o apoio da Capes, do evento global da World Dance Alliance [Aliança Mundial da Dança] ocorrido de 6-11 de julho em Angers, França. Coordenado pela australiana Cheryl Stock, a WDA ofereceu no Centro Nacional de Dança de Angers e na Universidade de Angers uma plataforma para troca de pesquisa acadêmica e trabalho artístico, nutrindo oportunidades de desenvolvimento na área da dança para os profissionais dos 37 países participantes. Numa atmosfera de compartilhamento, um sorriso ou um comentário da apresentação eram suficientes para receber um cartão ou e-mail com vídeo do trabalho apresentado.
Em um mundo aterrorizado por amargas divisões a WDA
sugere examinar o passado para trabalhar um futuro mais humano. Confrontando
e desafiando a violência em todas as suas formas, incentiva abraçarmos a diversidade cultural, buscarmos o
conhecimento e a compreensão nos múltiplos pontos de vistas que a arte pode oferecer. Neste contexto apresentei a vídeo dança
intitulada Stone Water [Pedra e Água] como um ensaio de etnografia visual na
qual saliento as texturas da sociedade sul-africana pós-apartheid a partir das imagens que evidenciam o tempo, as relações,
o caminhar junto e as mãos dadas, presentes na infância, na percepção do outro
e na experiência com a cegueira. Esses gestos que tocam o chão e o ser um do
outro mostram que a superfície da pele e as pontas dos dedos são receptáculos
de uma memória intercorporal.
Abertura da WDA, Angers, França, 2014 |
Por isso, a WDA também interroga: Como uma coreografia, em seu renovado foco sobre o lugar da história,
articula a relação entre passado, presente e futuro em uma realidade globalizada? Uma resposta pode ser a sua leitor ou leitora que lê esse texto e aprecia a dança. Em conversa com Jean Lee, pesquisadora
da Universidade de Londres acerca da formação de plateia, escuto sua descrição de como espectadores são mais
ativos em sua interpretação da dança contemporânea do que o contar histórias presentes no balé clássico. Obviamente,
em experimentos de dança contemporânea, o papel do público está em uma
posição mais ativa. Produções de dança com imersão fornecem um ambiente que
permite que os espectadores sejam integrados na cena, diluindo a distinção do
espaço entre os dançarinos e a plateia.
Esse tipo de cenografia favorece o
público reagir aos movimentos dos bailarinos com improvisação estruturada ou frases coreografadas. Ocasionalmente, a
plateia precisa dançar ou agir em conjunto com os dançarinos, tornando-se às vezes coprodutora ou testemunha da coreografia.
Quem são e onde estão os novos públicos da dança? Parece-me
que a resposta novamente envolve um deslocamento no espaço: o de sair da
poltrona do conforto consigo mesmo e entrar
em cena da arriscada vida partilhada com o outro.
(*)Professora Associada do Centro de Ciências da
Educação da UFSC, Pós-doutorado em Dança
pela Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul.