quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Fondly Do We Hope...

Sensível e Inteligível
Por Ida Mara Freire

"Eu vivo com a sensação desconfortável de que a sociedade moldou-me como um resultado de algo que foi roubado de nós, quando Abraham Lincoln foi morto. O cinismo e a alienação que eu sinto na minha cabeça e coração surgiu por causa dessa estranha reviravolta do destino”, palavras do dançarino e coreógrafo Bill T. Jones acerca de sua monumental obra “Fondly Do We Hope... Fervently Do We Pray” encenada no Rose Theather, Lincoln Center, Nova York durante o mês de julho.

Neste trabalho os temas: raça, guerra e escravidão forma aprofundados. E vislumbrou-se no palco a diferença entre o que é e o que poderia ter sido a América se Abraham Lincoln não fosse assassinado. Essa relação entre o passado, o presente e o futuro fundou-se na experiência do vivido corporal de Antonio Brown, Asli Bulbul, Peter Chamberlin, Talli Jackson, Shayla-Vie Jenkins, LaMichael Leonard, Jr., I-Ling Liu, Paul Matteson, Erick Montes, Jennifer Nugent, dançarinos da Bill T. Jones/Arnie Zane Companhia de Dança. Em cena vimos espelhado a condição humana que compartilhamos uns com os outros ao longo do tempo, na cultura, e na nossa pertença étnico-racial. Seus gestos compostos de músculos, sangue e carne, desvelam o coração da obra coreográfica e traduzem os dizeres do coreógrafo que o movimento está a serviço do sensível e do inteligível.
A cenografia do espetáculo criada por Bjorn Amelan contrastava um imperioso cilindro acortinado com seu tecido leve e transparente no qual era projetado excertos de textos que sinalizava, juntamente com o figurino de Liz Prince, à imaginação da platéia que testemunhava essa jornada aparentemente histórica. A trilha sonora original, composta por Jerome Begin, Christopher Antonio William Lancaster, George Lewis, Jr. executada ao vivo, incluía música tradicional, clássica, gospel, dando vida às próprias palavras de Lincoln, ao texto de Walt Whitman, além de notas autobiográficas que reverberavam na voz do narrador e no corpo do cantor.

“A peça estava linda... e a companhia, esses seres sublimes, estavam no seu melhor. O público deu-nos uma ovação de pé todas as noites” comenta Bill T. Jones orgulhoso. Eis o resultado de um trabalho criativo, de comunhão primorosa entre os elementos cênicos, texto, música, projeção, temática, metáforas, inferências, movimento, técnica e concepção, que confirma as palavras do coreógrafo, as quais o espectador deve levar em conta: “ Não há qualquer razão para separar dança e teatro.”



idamara@ced.ufsc.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário