terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Olhai os livros nos campos



Escrevo os últimos relatos de nossa jornada no solo sul-africano. Transformadas em nosso caminhar, releio notas, diários e percebo as enumeras experiências a se desdobrarem em infinitas alegres possibilidades. Semelhantes aquelas minúsculas flores que enfeitam o nosso andar, mas que podem passar desapercebidas para aqueles e aquelas que se atentam para a grandiosidade do mundo.

O toque da massagista de shiatsu cartografa no corpo os fluxos e os obstáculos superados na dança da vida. Vislumbra-se luz e paz, apos conhecer face a face o lado sombrio de si. Vales e Alpes. Em sonhos, portais que se abrem para o vazio; pedras, rochas, montanhas contracenam beleza, manifestam leveza a contrariar a gravidade da verdade não dita.

Demoro-me no andar, me deito no olhar, capturo a paisagem humana, artística, e os livros nos campos. Subo as escadas do prédio na biblioteca central, a musica clássica denuncia a expectativa do local; o porteiro sorri amigável quando cumprimento em isiXhosa: “Molo buthi.” E responde: “Molo sisi”. Obras de artes são colocadas em lugares propositalmente escolhidos. A escultura da banhista pronta para mergulhar no espaço vazio entre um andar e outro. O ovo de alambrado brinca com a percepção de quem vê, propõe um exercício de coexistência entre forma e conteúdo, sugere habitação e gestação em espaços impossíveis E ali vou encontrar amigos e amigas desta viagem: Njabulo Ndebele, Antjie Krog, Hannah Arendt, Susan Sontag, Martin Buber, Judith Lewis Herman... e muitos outros e outras que me inspiram a descrever a estética do silêncio. Silêncio vivido, pesquisado, indagado. Nas brincadeiras da pequena. Nas vivências do grupo de meditação Nas falas durante as entrevistas. Na poesia de M. NourbeSe.

Na cantina da School of Dance durante o almoço observo a “Cape Town City Ballet” ensaiar exaustivamente para as apresentações de final de ano: Copelia, A bela adormecida, Quebra-Nozes. Observo e reconheço aqueles corpos, de um ponto de vista desconhecido para os próprios dançarinos, mas reconhecido nesse corpo que dança – memoria ou fluxo temporal? Assim, testemunho com empatia o cansaço, a queda na hora errada, o desafio proposto, o limite mal recebido, a dor invisível, os aplausos, o riso de satisfação e os risos da ironia. Vida dedicada a dança. Dança dedicada a vida que descrevo aqui na página de um diário: palavra que um dia foi flor, flor que que já foi caminho, que um dia será livro, livro que será um lírio nos campos da vida...

Um comentário:

  1. Linda! Uma descrição poetica que salta com maestria da sensibilidade de quem já aprendeu a apreciar a beleza da vida com os olhos da alma. Parabéns!

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