Moramos num pequeno apartamento no bairro chamado sugestivamente Observatory, aqui conhecido como “Observatry”. Da nossa varanda temos vistas para a montanha, um prédio de residência estudantil em construção, com dois guindastes que ocupam o pensamento da pequena durante o café da manhã. Atentamos para o teto triangular da Igreja Evangélica. Há um prédio pintado de cinza claro, que aos olhos da pequena parece um castelo, lá fica o supermercado, a farmácia, o caixa eletrônico, alguns restaurantes, lojas e serviços. Um pouco mais para a esquerda, estão o Hospital Universitário e também o Hospital do Coração, dito por alguns, o melhor do país no que diz respeito, aos transplantes e outras cirurgias neste órgão fonte de nossos afetos que nos ajuda a lidar com tantos desafetos.
Seguindo a pé pela Main Road, no lado esquerdo, há um campo de futebol, que também abriga nos dias quentes e secos alguns sem-tetos. Nos dias de chuva a pequena se preocupa e pergunta: Onde estão as pessoas que vivem aqui? Atravessamos o viaduto de uma rodovia, e temos uma escola de ensino médio, pela manhã sempre nos deparamos com pequenas nuvens de adolescentes uniformizados em cores azul, as meninas de saias, cabelos impecavelmente trançados, marcando suas identidades; os meninos de calças cumpridas tentam a sua maneira achar seu lugar no mundo.
Se observamos mais ao final da rua da escola temos uma Mesquita. Continuando pela Main Road, passamos na frente da Igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias. Atravessamos mais uma quadra nos deparamos com o Campus de Tecnologia da UCT, e um prédio residencial. Já começamos entrar no centro comercial de Monbray, bairro que fica a escola da pequena. Nesta região há biblioteca, bares, bancos, delegacia de polícia, farmácia, supermercado, dezenas de salão de beleza masculino e feminino, onde estão disponíveis vários tipos de penteados, estilos de tranças, lojas que vendem, roupas, alimentos de diversos lugares da África, pois ali há uma concentração de pessoas de Gana, Angola, Nigéria, Camarões, os rapazes donos da Lan House, por exemplo são moçambicanos. Quando passamos na lavanderia onde levamos nossa roupa, por ali já somos conhecidas, as pessoas nos cumprimentam, fazem brincadeiras com a pequena. Quando passamos felizes fazem um comentário animador, se passamos zangadas, não perdem a oportunidade de nos dar um conselho.
Para chegarmos na escola da pequena cortarmos caminho, entrando numa pequena rua, e neste caminho, há um teatro comunitário e uma ONG. Chegamos no terminal dos taxis – como já comentei numa postagem anterior, os taxis, aqui são vans, o meio de transporte, mais rápido e barato, para se locomover. Para nós ainda é uma experiência singular, alguns cobram a passagem da pequena, outros não. Ao sair do mercado, o cobrador atravessa a rua e me ajuda carregar as sacolas. A conversação entre cobrador e passageiro pode ser rude algumas vezes, principalmente quando há três passageiros bem sentados num banco, e o cobrador quer que senta mais um por ali. Dois meses atrás, houve uma paralização de três dias, e vi muita gente andando a pé. Os motoristas e cobradores exigiam melhores condições de trabalho e organização do transporte coletivo. A pequena já inclui em suas brincadeiras, o chamado dos cobradores que gritam a direção que vão, buzinam, convidam para sua viagem, cujo destino com certeza não é a ilha da fantasia. Mas, pelo contrário, geralmente é uma township, bairros com concentração da população negra com baixa renda.
Pelas ruas há carros, caminhões, ônibus de um ou dois andares bem coloridos, bicicletas e motos. Os carros de diferentes tamanhos expressam o gosto de uns e orçamentos de outros, os modelos que vão do popular ao smart, que ganha na preferência da pequena. Sábado pela manhã resolvemos ir ao shooping in Claremont, enquanto caminhávamos, um carro esporte com duas mulheres brancas parou e elas ofereceram carona para duas jovens negras que esperavam pelo taxis, elas desconfiadamente entraram no carro, após insistência. Há quem opta pelos trilhos. E ainda, àqueles, como nós, que caminham.
Após deixar a pequena em sua escola em Mombray, sigo até a UCT, pelo bairro residencial Rosebank, ao passar em frente à Igreja Metodista, que freqüentamos aos domingos, caminho na rua lateral e me aproximo do bairro Rodenbosh, perto do teatro Baxter, no lower campus, tem o Colledge of Music e como parte desse a School of Dance. Finalmente, chego ao meu destino e aí a caminhada começa transformar-se em dança, em palavras, em reflexão sobre a poética do espaço. De quadra em quadra caminho no terreno sul-africano esboçando possibilidades de uma filosofia do redondo.
quarta-feira, 27 de abril de 2011
sexta-feira, 8 de abril de 2011
Learning by Heart...
Para Diana Gilardenghi
Que as palavras de minha boca e o meditar do meu coração
Sejam agradáveis a ti, Senhor.
Hoje despertei com essas palavras do salmista em minha mente.
Acordei e após fazer minha sequência de L’an Gong fui meditar.
Escutava o meu coração.
A música do Milton Nascimento veio a mim:
Coração
meu tambor do peito, meu amigo cordial
fez de mim um amador...
Essa semana foi de intensa aprendizagem.
Dois meses aqui e vamos aprofundando nossas experiências mais e mais no coração da Mama África.
A professora comenta que a pequena fala inglês fluente com os colegas, ajuda a alimentar os pequenos e brinca à vontade com os maiores...
Nas aulas da História da Dança Africana aprendo onde fica Zimbabwe.
Reconheço o que os mapas não mostram as muitas Áfricas na África do Sul. Nos lugares que freqüento encontro pessoas do Congo, Moçambique, Angola, Ruanda, Sudão, Cameroon, Nigéria, Guiné...
Na Dança Africana experimento o jogo, a marcação cantada, a batida dos pés... aos poucos o movimento é aprendido e me vejo ali, saboreando o gesto.
Ah... o Flamenco, chegou a hora das pontas dos dedos: no segurar a saia, e claro – no tocar as castanholas... Os dedos dos pés, também têm seu papel, ao marcar o ritmo, ao dar um passo seguro.
Na aula de Xhosa, quando falo essa palavra, faço um estalo com a língua ao pronunciar o “x”, ontem a professora, me fez engajar numa conversa, que ao terminar, cheguei a perguntar, brincando com minha colega sentada ao meu lado, em que planeta eu estava. Como se não bastava tive que ler uma parte do diálogo, que começava assim:
Thuli: Unnobhuti noosisi? (Você têm irmãos e irmãs?)
Nqaba: Ewe, Ndinobuthi noosisi (sim. Eu tenho um irmão e duas irmãs)
Ababini
Li o diálogo sentindo uma perturbadora confiança Então, sorri internamente lembrando da lição que a querida Diana Gilardenghi, que está de aniversário hoje, ensinou: Ida erra, mais não duvida!
Ontem, comecei um processo colaborativo de criação coreográfica com a outra pesquisadora visitante, ela interessada nas jornadas e eu nos espaços. Comento sobre os espaços entre o meu corpo e do outro. Falo das vozes do silêncio e do espaço vazio entre o meu corpo e o da mulher sem-teto que cumprimentei ao deixar a pequena na escola pela manhã. Atentamos para a violência em nossas histórias de vida que clama por reconciliação. Vou para a biblioteca principal no upper campus, e seleciono: O livro de Susan Sontag Styles of radical Will, com um belo ensaio intitulado The aesthetics of silence. Sobre reconciliação estão em minhas mãos: No future without forgiveness de autoria de Desmond Tutu; Truth & Reconciliation in South África: The fundamental documents editado por Doxtader e Salazar; In the Balance: South Africans debate reconciliation Edited by Fanie duToit and Erik Doxtader. Também, o The truth about the truth commission de Anthea Jeffery. E um ultimo There was this Goat de Antjie Krog, Nosisi Mpolweni e Kopano Ratele.
São tantas as vivências que muitas de vocês, já estão cansadas só de fazerem essa leitura. Mas, recordo o que a professora de inglês em Nottingham, cansada de tentar responder minhas perguntas em busca dos sentidos das palavras, me disse: Learning by heart... sigo à risca seu conselho: Escrevo, Danço, Medito e Canto:
Meu Mestre Coração
Composição : Milton Nascimento/Fernando Brant
Coração
meu tambor do peito, meu amigo cordial
fez de mim um amador
que por um carinho sobe até o Redentor
o rio que corre em mim
vem dessa nascente seu leito natural
o amor que existe em mim
vem desse caminho de vida que ele me traçou
Por me saber de cor
me leva no tempo para o mundo conhecer
território da paixão
coração me ensina a coragem de viver
me joga no mar de amar
nessa água boa eu irei navegar
e eu sou um aprendiz
que segue seu mestre aonde ele for
E o meu mestre é o meu coração
meu tambor do peito meu amigo cordial
fez de mim um amador
que por um carinho sobe até o redentor
o rio que corre em mim
vem desse caminho que ele me traçou
meu mestre é o coração
meu tambor do peito, meu amigo cordial
vida e paixão
Que as palavras de minha boca e o meditar do meu coração
Sejam agradáveis a ti, Senhor.
Hoje despertei com essas palavras do salmista em minha mente.
Acordei e após fazer minha sequência de L’an Gong fui meditar.
Escutava o meu coração.
A música do Milton Nascimento veio a mim:
Coração
meu tambor do peito, meu amigo cordial
fez de mim um amador...
Essa semana foi de intensa aprendizagem.
Dois meses aqui e vamos aprofundando nossas experiências mais e mais no coração da Mama África.
A professora comenta que a pequena fala inglês fluente com os colegas, ajuda a alimentar os pequenos e brinca à vontade com os maiores...
Nas aulas da História da Dança Africana aprendo onde fica Zimbabwe.
Reconheço o que os mapas não mostram as muitas Áfricas na África do Sul. Nos lugares que freqüento encontro pessoas do Congo, Moçambique, Angola, Ruanda, Sudão, Cameroon, Nigéria, Guiné...
Na Dança Africana experimento o jogo, a marcação cantada, a batida dos pés... aos poucos o movimento é aprendido e me vejo ali, saboreando o gesto.
Ah... o Flamenco, chegou a hora das pontas dos dedos: no segurar a saia, e claro – no tocar as castanholas... Os dedos dos pés, também têm seu papel, ao marcar o ritmo, ao dar um passo seguro.
Na aula de Xhosa, quando falo essa palavra, faço um estalo com a língua ao pronunciar o “x”, ontem a professora, me fez engajar numa conversa, que ao terminar, cheguei a perguntar, brincando com minha colega sentada ao meu lado, em que planeta eu estava. Como se não bastava tive que ler uma parte do diálogo, que começava assim:
Thuli: Unnobhuti noosisi? (Você têm irmãos e irmãs?)
Nqaba: Ewe, Ndinobuthi noosisi (sim. Eu tenho um irmão e duas irmãs)
Ababini
Li o diálogo sentindo uma perturbadora confiança Então, sorri internamente lembrando da lição que a querida Diana Gilardenghi, que está de aniversário hoje, ensinou: Ida erra, mais não duvida!
Ontem, comecei um processo colaborativo de criação coreográfica com a outra pesquisadora visitante, ela interessada nas jornadas e eu nos espaços. Comento sobre os espaços entre o meu corpo e do outro. Falo das vozes do silêncio e do espaço vazio entre o meu corpo e o da mulher sem-teto que cumprimentei ao deixar a pequena na escola pela manhã. Atentamos para a violência em nossas histórias de vida que clama por reconciliação. Vou para a biblioteca principal no upper campus, e seleciono: O livro de Susan Sontag Styles of radical Will, com um belo ensaio intitulado The aesthetics of silence. Sobre reconciliação estão em minhas mãos: No future without forgiveness de autoria de Desmond Tutu; Truth & Reconciliation in South África: The fundamental documents editado por Doxtader e Salazar; In the Balance: South Africans debate reconciliation Edited by Fanie duToit and Erik Doxtader. Também, o The truth about the truth commission de Anthea Jeffery. E um ultimo There was this Goat de Antjie Krog, Nosisi Mpolweni e Kopano Ratele.
São tantas as vivências que muitas de vocês, já estão cansadas só de fazerem essa leitura. Mas, recordo o que a professora de inglês em Nottingham, cansada de tentar responder minhas perguntas em busca dos sentidos das palavras, me disse: Learning by heart... sigo à risca seu conselho: Escrevo, Danço, Medito e Canto:
Meu Mestre Coração
Composição : Milton Nascimento/Fernando Brant
Coração
meu tambor do peito, meu amigo cordial
fez de mim um amador
que por um carinho sobe até o Redentor
o rio que corre em mim
vem dessa nascente seu leito natural
o amor que existe em mim
vem desse caminho de vida que ele me traçou
Por me saber de cor
me leva no tempo para o mundo conhecer
território da paixão
coração me ensina a coragem de viver
me joga no mar de amar
nessa água boa eu irei navegar
e eu sou um aprendiz
que segue seu mestre aonde ele for
E o meu mestre é o meu coração
meu tambor do peito meu amigo cordial
fez de mim um amador
que por um carinho sobe até o redentor
o rio que corre em mim
vem desse caminho que ele me traçou
meu mestre é o coração
meu tambor do peito, meu amigo cordial
vida e paixão
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