Sinfonia silenciosa[1]
Autoria: Elaine Schmidlin[2]
Mary Sibande reorganiza memórias,
restabelece percursos e cria outras relações espaço temporais. Sibande, pela repetição
de um esteriótipo feminino no uso de uma série, ora subverte, ora reforça
representações sociais, políticas e culturais sobre a mulher negra sul
africana. Incorpora, reencena, descontrói para reconstruir no gesto artístico a
sua identidade. Sibande revela a força feminina e a celebra acima de tudo em
uma relação mágica. Seu gesto artístico performático é celebração silenciosa da
alma feminina. Incorpora a personagem e celebra o outro do outro em múltiplas
formas de ser com a vida.
Entre silencios, reorganizo meus
dizeres e fazeres em arte e educação. Com Sibande apreendo o outro do outro em
mim mesma. Mulher, artista, professora... costuro peles, por vezes, vitoriana
como a veste da personagem Sophie de Sibande. Vesti-la, incorporá-la no meu
cotidiano, por vezes, restringe meus movimentos. Com um gesto hospitaleito aprendo
a habitá-la, mulher, professora, mãe... Vejo que habito apenas as bordas pois,
rapidamente, sou outra de novo outra vez. Pele(s) que habitam em mim e que, por
vezes, ocupo como veste encenando vidas.
Sibande encena, incorpora a
personagem Sophie, em uma relação mágica, no entanto, é Sibande que se ‘irrealiza’
em Sophie, que a vive em seu imaginário. “Expressar é representar um certo
papel pelo corpo enquanto este é capaz de se deixar envolver por outros papéis
diversos daqueles aos quais habitualmente serve”. Sibande habita “esse fantasma
cujos traços são fixados pelo manuscrito”, fala com o corpo em um conjunto
original que propõe significação à obra. “O que aprendo a considerar como corpo
do outro é uma possibilidade de movimento para mim”, pois na incorporação da
personagem por Sibande, o corpo passa a significar seu pensamento estético.
Para Ponty “toda vida é a invenção
de um papel que só existe pela expressão que lhe dou”. À margem do que percebo
há uma quantidade de elementos não percebidos que são lançados no contexto
existente. Margem da ordem do percebido e do existente. Entre eles escorre o
tempo que costura em linhas circulares minhas ações. Se há criação de um papel
ele só pode existir como experiencia a partir dos meus vividos como mulher,
artista, professora, mãe... Sobre o fundo do passado escoado passo a existir
pois “se viver é inventar, é inventar a partir de certos dados”.
Na sinfonia silenciosa, entre eu e
o outro, acontece a expressão desmedida da vida. Sibande reiventa sua própria
identidade em relação ao seu passado e ao outro. Eu redesenho margens entre arte
e educação, laços de tal modo engajados que, pouco a pouco, nenhum limite é
possível. Somente nas bordas a escrita estravasa o (im)pensado que traz a
relação com o meu passado e com o outro.
[1] Texto escrito tendo como referência a obra
“Sinfonia Silenciosa” da artista sul africana Mary Sibande e o capítulo “A
Experiencia do Outro” de Maurice Merleau- Ponty, contida na publicação
“Merleau-Ponty na Sorbonne: resumo de cursos: 1949-1952”, editada pela Editora
Papirus, Campinas (SP), 1990
[2] Orientanda no Programa de Pós Graduação em
Educação da UFSC, nível doutorado, da Profª Drª Ida Mara Freire.