Dança: uma trama perceptiva
A percepção
do corpo no espaço pode ser um lugar
privilegiado para a leitora e o leitor entrelaçarem razão e sensibilidade. Exemplo disso foi a estreia do espetáculo
“Convite ao Olhar”. Na noite de 11 de junho, no Teatro Gov. Pedro Ivo, o elenco
composto por Aroldo Gaspar Pereira Filho, Deivid
Oliveira Velho, Fabiana Cristina de Souza, Gabriel Sanches Figueira, João Paulo
Marques, Laís Bittencourt Fortes, Maura Marques, Ramon Noro e Roberta Nastari
de Oliveira, dançam com elásticos amarrados em seus corpos e fixados em uma estrutura
metálica vazada em forma de cubo. Os participantes da recém-criada Companhia de
Dança Lápis de Seda, vinculada ao Baobah, integram um projeto aprovado na Lei
Rouanet, que além
de receberem treinamento técnico em dança, interagem com artistas das áreas de
música, design, artes plásticas e artes cênicas, tendo como desdobramento uma
pesquisa com o tema "transformação do indivíduo através da arte" a
ser realizada pela coordenadora do
projeto, a psicóloga Jussara Figueira, e a atriz Marisa Naspolini.
A estrutura
multifacetada, projetada por Ramon Noro, está localizada no centro da cena e
possibilita a invenção de campos intelectuais
e sensoriais entre os dançarinos e a plateia.
No olhar da espectadora e dançarina Ana Flávia Piovezana
dos Santos, interessada na amplitude do
espaço, chama a sua atenção o corpo a se movimentar entre os contornos, ângulos, distâncias e alturas do cubo
3X3 destacado pela iluminação diáfana de
Marco Ribeiro. A voz de uma espectadora mirim,
durante o espetáculo, descreve o que ela percebe: os pés descalços dos
dançarinos maleavelmente vestidos por Emmanuel
Bohrer Junior; a fumaça cheirosa que as dançarinas sopram das mãos
formando uma pequena nuvem diante das faces; e algumas vezes seus gestos alegres acompanham com cadência a trilha musical composta por Luiz Gustavo Zago.
Para Analu
Ciscato o desafio da criação coreográfica não está na composição da dança para
um corpo diferente, mas sim na busca de uma compreensão que respeite como
pessoas diferentes entre si podem apreenderem um movimento específico a partir
de pontos de vistas diversos. Pois, nossa percepção cotidiana, como nos lembra
Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), não é
um mosaico, mas um conjunto de objetos
diferenciados na estrutura de uma “figura sobre um fundo”, nesta relação o que aparece como uma figura se mostra
independente da nossa vontade e da nossa inteligência.
Por fim, nesse
espetáculo o espectador é convidado a perceber o que esses corpos, ora presos no
cubo vazado ora livres atados aos elásticos,
ensinam acerca da flexibilidade e da rigidez das tessituras dos
relacionamentos humanos. Quando jovens e
adultos desenham na invisibilidade da cena a solidão como figura – que é mais
sentida e dolorida na calada companhia do outro; ou a solidão como fundo – no sentir-se bem consigo
mesmo embora o outro esteja fisicamente ausente; constata-se que na trama perceptiva da dança, o espaço
não é uma característica da visão, mas sim da intuição.
Ida mara
Freire
Professora
Associada ao Centro de Ciências da Educação da UFSC, Pós- Doutorado em Dança pela
Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul