quarta-feira, 25 de junho de 2014

Dança: uma trama perceptiva


Dança: uma trama perceptiva

Texto publicado no Jornal Notícias do Dia em 26/06/2014
Foto de Yéssica Saavedra Seguel
A percepção do corpo no espaço  pode ser um lugar privilegiado para a leitora e o leitor entrelaçarem razão e sensibilidade.  Exemplo disso foi a estreia do espetáculo “Convite ao Olhar”. Na noite de 11 de junho, no Teatro Gov. Pedro Ivo, o elenco composto por Aroldo Gaspar Pereira Filho, Deivid Oliveira Velho, Fabiana Cristina de Souza, Gabriel Sanches Figueira, João Paulo Marques, Laís Bittencourt Fortes, Maura Marques, Ramon Noro e Roberta Nastari de Oliveira, dançam com elásticos amarrados em seus corpos e fixados em uma estrutura metálica vazada em forma de cubo. Os participantes da recém-criada Companhia de Dança Lápis de Seda, vinculada ao Baobah,  integram um projeto aprovado  na Lei  Rouanet,  que  além de receberem treinamento técnico em dança, interagem com artistas das áreas de música, design, artes plásticas e artes cênicas,  tendo como desdobramento uma pesquisa com o tema "transformação do indivíduo através da arte" a ser realizada pela coordenadora do  projeto, a psicóloga Jussara Figueira, e a atriz Marisa Naspolini.

A estrutura multifacetada, projetada por Ramon Noro, está localizada no centro da cena e possibilita a invenção de campos  intelectuais e sensoriais entre os dançarinos e  a plateia. No olhar da espectadora e dançarina Ana Flávia Piovezana dos Santos, interessada na amplitude  do espaço, chama a sua atenção o corpo a se movimentar entre os  contornos,  ângulos, distâncias e alturas do cubo 3X3 destacado pela iluminação diáfana de Marco Ribeiro.  A voz de uma espectadora mirim, durante o espetáculo, descreve o que ela percebe: os pés descalços dos dançarinos maleavelmente vestidos por Emmanuel Bohrer Junior;  a fumaça  cheirosa que as dançarinas sopram das mãos formando uma pequena nuvem diante das faces; e algumas vezes  seus gestos alegres acompanham com  cadência a trilha musical composta por Luiz Gustavo Zago.

Para Analu Ciscato o desafio da criação coreográfica não está na composição da dança para um corpo diferente, mas sim na busca de uma compreensão que respeite como pessoas diferentes entre si podem apreenderem um movimento específico a partir de pontos de vistas  diversos. Pois,  nossa percepção cotidiana, como nos lembra Maurice Merleau-Ponty (1908-1961),  não é um  mosaico, mas um conjunto de objetos diferenciados na estrutura de uma “figura sobre um fundo”, nesta relação o que  aparece como uma figura se mostra independente  da  nossa vontade e da nossa inteligência.

Por fim, nesse espetáculo o espectador é convidado a perceber o que esses corpos, ora presos no cubo vazado ora livres atados aos elásticos,  ensinam acerca da flexibilidade e da rigidez das tessituras dos relacionamentos humanos.  Quando jovens e adultos desenham na invisibilidade da cena a solidão como figura – que é mais sentida e dolorida na calada companhia do outro;   ou a solidão como fundo – no sentir-se bem consigo mesmo embora o outro esteja fisicamente ausente; constata-se  que na trama perceptiva da dança, o espaço não é uma característica da visão, mas sim da intuição.

Ida mara Freire
Professora Associada ao Centro de Ciências da Educação da UFSC, Pós- Doutorado em Dança pela Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul


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