O nascimento do passo brincante
Marina Abib Foto de Cristiano Prim |
O corpo canta e a música dança no espaço da
brincadeira na formação dos bailarinos, atores, músicos e educadores. Nos dias
16 e 19 de outubro o Tubo de Ensaio, um dos projetos premiados pelo Rumos do
Itaú Cultural, coordenado por Jussara Xavier, Sandra Meyer e Vera Torres,
aproximou a composição e as danças
tradicionais brasileiras tendo como
convidada a dançarina Marina Abib, coreógrafa
e fundadora da Companhia Soma, que foi recebida pelos participantes com distintos interesses e curiosidades nas danças populares e nos
seus processos de recriação. O corpo ágil de Marina Abib carregam um repertório primoroso de formas de se mover embevecido com as danças
da cultura brasileira. Essas matrizes trazem uma novidade para a composição na
dança contemporânea ao serem oferecidas como
um chão onde cada participante pode se reconhecer como integrante de um
coletivo social e cultural que constrói saberes tendo como primícias suas próprias
maneiras de propor e resolver desafios. Marina nos lembra que o artista popular não se diz
dançarino, músico ou ator, ele se diz brincante; e brincadeira é o nome dado à
certas manifestações populares onde estão presentes diversas linguagens
artísticas. Brincam homens, mulheres e
crianças que participam de manifestações como o cavalo-marinho, o reisado, o
caboclinho, os maracatus e o nosso aqui bem conhecido boi de mamão.
No bate-papo ilustrado De Repente ocorrido na
chuvosa sexta-feira, no Centro de Artes
da Udesc, Marina Abib apresenta sua pesquisa ora dançando ora falando acerca dos
saberes coletivos da cultura tradicional e como as manifestações populares
brasileiras servem de fundamento para pensarmos uma noção de tradição enquanto
recordação, ou seja, um passar de novo pelo coração. Desse modo, o leitor e a leitora podem entender a cultura
popular a partir do tempo presente, como um exercício em que um ser humano se
reconhece no outro. Esse reconhecimento enraizado no brincar atualiza nossa maneira de compreender, por
exemplo, o transe, o ritual e o simbólico na dança. Na oficina Danças Brasileiras: um corpo ritmado, ocorrida na Udesc e também no Centro de Desportos da UFSC,
os participantes experimentaram no próprio corpo as frases rítmicas presentes
nas músicas tradicionais brasileiras e a partir disso apreenderam os gingados
característicos da dança do frevo. Foram trabalhados jogos de prontidão com uma
bola de tênis, jogos de agilidade com um balão com água, exercícios de
consciência corporal com aplicação de massagem. A apreensão do vocabulário referenciado
nas danças brasileiras, desvelou-se pelo perceber do corpo retorcido no chão, o
segurar na mão o som de si mesmo, o chocalhar
do ser, o varrer o chão com as pontas dos pés, o apoiar-se nos metatarsos desfrutando da
instabilidade a dois, a descoberta das articulações por vias insólitas. Tudo
para preparar o corpo para o nascimento do passo brincante. Encontrar nas sonoridades
do frevo um corpo disponível para expressar as peculiaridades dessa dança, improvisar e
criar frases coreográficas. Deslocamentos
dançantes no mundo onde segue-se abrindo
caminho acotovelando a multidão,
sentindo o rastro da dor ou perseguindo os vestígios da alegria. Dança ou luta?
Sabe-se lá! Sabe-se que há brincadeira e nessa reunião surge espaço para própria
criação.
Ida Mara Freire, Pós-doutorado em Dança, Universidade
da Cidade do Cabo, África do Sul