terça-feira, 27 de outubro de 2015

Nasce o passo brincante


O nascimento do passo brincante
Marina Abib Foto de Cristiano Prim

Texto Publicado no Jornal Notícias do Dia,  Caderno Plural, em 26/10//2015
O corpo canta e a música dança no espaço da brincadeira na formação dos bailarinos, atores, músicos e educadores. Nos dias 16 e 19 de outubro o Tubo de Ensaio, um dos projetos premiados pelo Rumos do Itaú Cultural, coordenado por Jussara Xavier, Sandra Meyer e Vera Torres, aproximou  a composição e as danças tradicionais brasileiras  tendo como convidada a dançarina Marina Abib,  coreógrafa e fundadora da Companhia Soma, que foi recebida pelos  participantes com distintos interesses  e curiosidades nas danças populares e nos seus processos de recriação. O corpo ágil de Marina Abib carregam um repertório primoroso  de formas de se mover embevecido com as danças da cultura brasileira. Essas matrizes trazem uma novidade para a composição na dança contemporânea ao serem  oferecidas como um chão onde cada participante pode se reconhecer como integrante de um coletivo social e cultural que constrói   saberes tendo como primícias suas próprias maneiras de propor e resolver desafios.  Marina nos lembra que o artista popular não se diz dançarino, músico ou ator, ele se diz brincante; e brincadeira é o nome dado à certas manifestações populares onde estão presentes diversas linguagens artísticas. Brincam  homens, mulheres e crianças que participam de manifestações como o cavalo-marinho, o reisado, o caboclinho, os maracatus e o nosso aqui bem conhecido boi de mamão.
No bate-papo ilustrado De Repente ocorrido na chuvosa  sexta-feira, no Centro de Artes da Udesc, Marina Abib apresenta sua pesquisa ora dançando ora falando acerca dos saberes coletivos da cultura tradicional e como as manifestações populares brasileiras servem de fundamento para pensarmos uma noção de tradição enquanto recordação, ou seja, um passar de novo pelo coração. Desse modo,  o leitor e a leitora podem entender a cultura popular a partir do tempo presente, como um exercício em que um ser humano se reconhece no outro. Esse reconhecimento enraizado no brincar  atualiza nossa maneira de compreender, por exemplo, o transe, o ritual e o simbólico na dança. Na  oficina  Danças Brasileiras: um corpo ritmado, ocorrida  na Udesc e também no Centro de Desportos da UFSC, os participantes experimentaram no próprio corpo as frases rítmicas presentes nas músicas tradicionais brasileiras e a partir disso apreenderam os gingados característicos da dança do frevo. Foram trabalhados jogos de prontidão com uma bola de tênis, jogos de agilidade com um balão com água, exercícios de consciência corporal com aplicação de massagem. A apreensão do vocabulário referenciado nas danças brasileiras, desvelou-se pelo perceber do corpo retorcido no chão, o segurar na mão o som de si mesmo, o chocalhar  do ser, o varrer o chão com as pontas dos pés,  o apoiar-se nos metatarsos desfrutando da instabilidade a dois, a descoberta das articulações por vias insólitas. Tudo para preparar o corpo para o nascimento do passo brincante. Encontrar nas sonoridades do frevo um corpo disponível para expressar  as peculiaridades dessa dança, improvisar e criar frases coreográficas. Deslocamentos  dançantes no mundo  onde segue-se abrindo caminho  acotovelando a multidão, sentindo o rastro da dor ou perseguindo os vestígios da alegria. Dança ou luta? Sabe-se lá!  Sabe-se que há brincadeira  e nessa reunião surge espaço para própria criação.
Ida Mara Freire, Pós-doutorado em Dança, Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul

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