terça-feira, 7 de junho de 2011

Caminhar

Leio o artigo “Walking in Kuopio” de autoria de Jennie Klein publicado no volume 23, n.4, 2010 do Dance Theatre Journal. Ela começa o artigo com uma citação de Michele de Certeau, e comenta que Walking, caminhar, andar, mais que um prazer, o caminhar tem o poder de re-mapear uma geografia hegemônica da cidade, representar uma estética ou uma intervenção política e re-conectar o corpo do caminhante, andarilho com a paisagem na qual se movimenta. Isto pode ser revolucionário, ou meramente restaurativo, um tempo de pensamento produtivo e reflexão pode ocorrer como resultado de mover-se através do espaço. A autora vai longe com sua reflexão que se pauta na noção de caminhar para os artistas presentes no ANTI 2009, um festival de arte em Kuopio, Finlândia. Alguns artistas decidem se engajarem na história do caminhar. A autora apresenta o caminhar como intervenção, o caminhar como comunidade, o caminhar virtual e termina o artigo com o caminhar como uma descoberta.

Hoje ao comentar com o Gerard sobre minha nova “Jornada”, ele assim mencionou, já que ele andou participando das Jornadas em dança. Caminhar é uma jornada. Por fim, falei que comecei um trabalho voluntário, a Igreja Metodista de Rosebank estava solicitando voluntários para atender as pessoas sem-teto, terça-feira das onze ao meio-dia. Achei que essa era uma oportunidade que eu tinha para lidar com essa realidade. Pois, cruzo com eles, elas todos os dias no meu caminho.
Ao chegar lá me apresento para o Don, o senhor responsável, ele branco, auxiliado por um rapaz negro, alto e magro. Sinto o cheiro da sopa, pão, pratos de plásticos coloridos, tudo preparado para servir. Ele diz para eu ir conversar com Heidi, uma enérgica mulher branca, me apresento, ela diz que vai precisar de ajuda só em julho, quando ela vai sair de férias, ela pergunta se tenho carro, digo que não, ela pergunta o que eu faço, respondo, coloco-me à disposição, uma jovem da igreja com seu pai também foram lá ajudar. Ela comunica que o pastor John pede desculpas, pois vai se atrasar por estar numa outra reunião. Entramos numa pequena capela, arrumamos os bancos, e dali alguns minutos a sala estava cheia, contei por alto umas trinta pessoas, de jovens, homens mulheres, negros, "colored" e brancos, nenhuma criança. Heidi nos apresentou e quando falou que eu era brasileira muitos deles sorriram curiosamente felizes. Cantamos uns dois cânticos, ela pergunta se alguém tem algo para falar, uma pessoa fala de suas experiências. Em seguida o pastor chegou, pediu desculpa pelo atraso, notou que havia muitas pessoas. Fez uma oração, perguntou em seguida se alguém sabia sobre o período do calendário cristão. Alguns mencionaram ascensão de Jesus, uns mencionaram o evento em Xhosa, o pastor continua lê a passagem no livro de Atos e termina falando se Jesus ainda tivesse aqui seria muito difícil visitá-lo, haveria uma fila imensa, depois ao chegar lá, seria cumprimentar e dizer Olá, como vai? O fato é que agora ele está disponível dentro de cada um de nós, conclui. Ele termina com uma oração e agradece já pelo alimento. As pessoas saem da capela e uma fila se forma para pegar a comida. Alguns organizam, as mulheres primeiro. O pastor se aproxima, conversa comigo, e diz que eu poderia ajudar conversando com as pessoas, dar alguma orientação, mas não dinheiro. Depois ele vai e me apresenta novamente e diz se alguém que conversar, e fala novamente que não se dá dinheiro. Todos parecem entender perfeitamente. Então algumas pessoas conversam comigo, falam que não tem casa, outros comentam que foram roupados... Escuto... troco algumas idéias.
Depois de contar para o Gerard, ele diz que muitos anos atrás, essa região de Cape Town era um lugar aonde as pessoas vinham em busca da água, a fonte ainda existe e muita gente ainda vai buscar água lá para beber. Haviam um povo que morava nas cavernas das montanhas, onde a universidade está agora, eles desciam, caminhavam, em busca da água, ele diz que talvez seja por esse motivo que há tantas pessoas sem-tetos, e que não são pessoas desequilibradas, mas pessoas que caminham, andarilhos e que constitucionalmente tem esse direito. É talvez, vale a pena pensar um outro item no texto de Jennie Klein: o caminhar como um direito.

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