terça-feira, 28 de agosto de 2012


Constante Respirar
Ida Mara Freire

Há algo mais constante e inconstante que o ato de respirar? Esta pergunta vem a mente ao assistir  o espetáculo  da Triz Compania de dança. Como uma milonga é concebida numa atmosfera própria e particular, Em constante é dirigido pela dançarina e coreógrafa Diana Gilardenghi tendo o ar como elemento principal. Deste modo, posso dizer quer os movimentos respiratórios das criadoras-intérpretes Michelle Pereira e Nastaja Brehsan são compartilhados  com intensa volubilidade entre as mesmas que alcançam a plateia como a brisa marinha se altera sem muito anunciar.

A cena inicial dos corpos gentilmente inclinados para frente, já denuncia a pretensa busca de estabilidade que muitos insistem em viver.  Pneuma, respiração, brisa, uma corrente de ar, vento, espírito: o ar é potencializado no cenário de Lucila Vilela  ao dispor no espaço ventiladores de variados tamanhos e alturas. Mas, opondo-se  à  inconstância há dois pequenos bancos de madeira que atuam como pontos fixos na terra. A iluminação de Ivo Godois circunscreve o espaço com tonalidades da  palheta  de Rembrandt,  a penumbra com foco direcional aproxima o espectador dos corpos que dançam.

Nos  40 minutos da coreografia o público pode perceber no  equilibrado jogo cênico das dançarinas as tentativas da contemporaneidade de apanhar o ar com as mãos; Dar vazão à fluidez aquática dos gestos invertidos; Diluir-se no corre-corre;   Queimar-se por dentro em busca de coesão; Enraizar-se no corpo do outro;   Perder-se no brincar ou no brigar. O ápice dramático do espetáculo  está  na cena  quando  as duas intérpretes estão lado a lado sentadas nos bancos, cada uma envolta no seu próprio manto: um de emoção e outro de apatia,  uma a chorar desconcertantemente por uma invisível dor no pé,  a outra  a cultivar uma constrangedora indiferença ao observar as unhas das mãos.  

A pausa do gesto e o silêncio do choro, faz que a angústia de quem vê  ocupar aquele  espaço, entre o chão e o pé,  a dor que não o toca. Assim, neste  respirar  ora ofegante ora tranquilo, nos  momentos que estamos a suspirar, e nas circunstâncias que nos tiram o fôlego, compõe-se as baladas e os ritmos sobrepostos de emoções e sensações presentes na trilha musical de Neno Miranda.

E, para nosso evidente mundo de aparência  Alice Assal concebe o figurino  fluido, não necessariamente poroso, protege sem inibir os movimentos; camada exposta a revelar a essência e  a carne que a sustém no movimento de reconstruir-se constantemente. No final, a plateia é convidada a mirar-se e atentar às transições de se estar diante da própria dor e da alegria dos outros.  Pois, em meio aos vendavais e as brisas da vida é bom lembrar que no ato de respirar fazemos todos parte da mesma dança.

Crítica Publicada no Jornal Notícia do dia em 27 de Agosto de 2012.
www.escrevedance.blogspot.com

Um comentário:

  1. "[...] no ato de respirar fazemos todos parte da mesma dança".
    =)
    Lindo texto Ida. Ainda não vi o espetáculo, contudo, é um prazer ler um texto assim consistente! Obrigada!

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