quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Meu corpo vai bem





O caminhar se transforma em passos de dança, a respiração se torna fala, e a fala se faz canção. Ritmos que brotam do corpo, raízes de uma tradição.  Movimentos que aqui estão, antes mesmo de eu nascer.  Mas ao dançar, sei quem sou,  de onde venho para onde eu vou. Vou com o meu corpo, e o meu corpo vai bem,  que em yorubá quer dizer ara temi olé. Palavra que nomeia o espetáculo do Teatro Alkmico concebido por Luiz Canoa e dirigido por  Marta Cesar, o qual explora as complexas  possibilidades estéticas das danças tradicionais  de matrizes africanas e afro brasileiras como repertório para a composição contemporânea,  encenado 6 de novembro no projeto 7:30 do TAC.

No mês da  Consciência Negra  uma obra artística de dança-teatro que se propõe refletir acerca da cultura africana no contexto brasileiro com intuito de transcender fronteiras de cor ou regionalidade merece ser apreciado.

A coreografia captura a atenção da plateia na cadência rítmica do elenco composto por  Alexandra Alencar, Ivan Vendemiatti, Luiz Canoa e Simone Fortes. Os movimentos  do corpo que  dança   fazem notar as intersecções entre rodas e  giros.   A música criada nas plantas dos pés ou nas pontas dos dedos  e palmas das mãos, do estalo da língua,   acompanha  instrumentos musicais  com sonoridades impares  tais como trombone,   pifano,  kalimba,  dunun   que  atuam como elementos cênicos,  integram   a trilha composta por Leandro Fortes e  permite  o espectador vislumbrar  o diálogo entre  a tradição  do som do atabaque e a contemporaneidade dos agudos eletrônicos da guitarra.  

A gestualidade  do grupo de intérpretes-criadores descreve uma narrativa refletida no espelho do tempo, ora escrita na areia da praia ora deslizada nas águas entre o limo  e as pedras dos rios,  em ritos, risos e riscos,   contudo, todos gravados na memória da pele.  A história  de luta na  capoeira, a canção inspirada no banzo e os pés que  dançam o samba,  circunscrevem no corpo a vontade de ser livre.    

A cenografia de  Ana Pi  busca  como um  opaxorô  servir de apoio para a locomoção da potência criativa.  Suzana de  Souza Silveira veste e decifra o  desafiante corpo sincrético. A  sutileza da iluminação de Marcello Serra  quando rasteira põe em evidência  o dourado do  trombone  exposto ao chão  ao fundo do palco, já o  foco de luz  direcionado sustenta o gesto em pausa exigindo da pessoa que vê   uma percepção  além do que é oferecido aos olhos.  

Na penumbra entre a noite e o amanhecer, no silêncio possível do mundo,  Aratemiolé sugere  o aguçar  dos sentidos para escutar a própria  voz,  banhar-se nos aromas das flores, descobrir-se nas texturas dos búzios do mar, reconhecer-se no outro e constatar: meu corpo vai  bem acompanhado.
  
 Por Ida Mara Freire
ida.mara.freire@ufsc.br
Professora Associada do Centro de Ciências da Educação da UFSC
Pós- doutorado em Dança pela University of Cape Town, África do Sul
 Ensaio publicado no Jornal Notícias do Dia em 20 de novembro de 2012



Nenhum comentário:

Postar um comentário