sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Estética da Dor


UFSC – CED – PPGE – ECO
Estéticas do Silêncio: Alteridade, Arte e Educação.
Profa. Dra. Ida Mara Freire
Mestranda Viviane Lima Ferreira
Resenha crítica do Filme Moolaadé de Ousmane Sembène


A Estética da dor

Ser bilakoro é uma desonra. A circuncisão dos clítoris das pequenas meninas é uma tradição mantida na pequena vila Djerrisso, em Burkina Faso. Os tambores anunciam a procura de seis meninas. A narrativa africana questiona se é possível ser mulher em África e tomar as decisões sobre o seu corpo. “As emoções são provocadas não por estímulos mas por situações, totalidades que só tem sentido por uma vida” (MERLEAU-PONTY, 1990, p. 302). Quatro meninas recorrem à casa de Collé, pois acreditam que se a sua filha, Amsatou, é uma mulher não circuncidada, elas também podem ser. Collé profere o Moolaadé que as protegerá da influência das Salindanas – sacerdotisas que mantêm a mutilação – e dos anciões “dignatários” da Mesquita que temem perder o seu poder sobre as suas esposas.
O ritual não é uma linguagem-sinal exterior ao que significa, mas é uma linguagem emblemática, onde significante e significado não são separáveis” (MERLEAU-PONTY, 1990, p. 305). Uma corda é amarrada à porta, somente pode-se sair, salvo a família que ali vive. “Duas” das “meninas que estavam desaparecidas atiraram-se para o poço” (MOOLAADÉ, 2004). Os acontecimentos vão gerando uma tensão entre os pontos atingidos, as mães sentem a morte de suas filhas. Os maridos confiscam os aparelhos de rádio, pois são eles os culpados pela intransigência das mulheres da vila. “A expressão da dor é o meio de ser dor”(MERLEAU-PONTY, 1990, p. 305).
Toda consciência é uma consciência que imagina; tomar a consciência do mundo é, de um certo modo, superá-lo.”(MERLEAU-PONTY, 1990, p. 311). Num diálogo indignado, uma das mulheres da vila fala para a mulher do porta-voz da aldeia, Sanata (de casta inferior):
- Já que andas muito com os homens, sabes porque nos tiraram os rádios?
- Os nossos homens querem controlar as nossas mentes.
- Mas como podem eles controlar algo invisível.
- Somos todas ignorantes. Estou lhe dizendo.” (MOOLAADÉ, 2004)
Existe a liberdade de Collé que entrega sua própria imagem através da palavra Moolaadé para o impensado naquela realidade (MERLEAU-PONTY, 1990, p. 313). A estrutura da narrativa conduz ao clímax, Collé é chicoteada em frente a Mesquita para que acabe com o Moolaadé. Ela não cede. Ao seu lado há uma pilha de aparelhos de rádio em chamas. As feridas de Collé são como flores expelidas pela pele, a marca na carne da beleza, o sangue que carrega a liberdade (Silêncio n. 5). No meio da confusão, a pequena Diattou é recolhida pela mãe mas morre por perda excessiva de sangue no ritual de purificação.
Há possibilidade de compreender a modificação do universo de pensamento pela modificação da linguagem” (MERLEAU-PONTY, p. 317). O romper do silêncio acaba quando as mulheres lembram que “O grande Imã disse-o na rádio: a Purificação não é um requisito do Islamismo” e frente ao homens acabam com a purificação cantando: “Wasa! Wasa!”. Antenas de TV chegam a vila.

Referências

MERLEAU-PONTY, Maurice. A experiência do outro. In: MERLEAU-PONTY. Merleau-Ponty na Sorbonne: resumo dos  cursos 1949-1952. Campinas: Papirus, 1990. p. 287-317.

MOOLAADÉ. Dirigido por Ousmane Sembene. Senegal: Cine-Sud Productions, 2004. Descrição física com detalhes de número de unidades, 120 min, falado idioma crioulo africano (mooré/arabe), legendado em português.


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