terça-feira, 24 de maio de 2011

Conversas sobre o perdão

Ao combinar com minha vizinha Xhosa, se ela podia cuidar da pequena para eu ir ao teatro ela me perguntou sobre a Cantata “Rewind”, falei que era sobre os testemunhos da TRC Truth Reconciliation Comission, (Comissão Verdade e Reconciliação). Ela colocou a mão na boca, num tom baixo falou: “ohohoo TRC it is about what white people did bad things to black people…”

Ao conversar com as pessoas da Faculdade de Dança, elas me perguntam sobre a minha pesquisa. Quando digo que estou a pesquisar sobre a relação da dança com a TRC, as pessoas começam a falar sobre o perdão. Uma estudante interessada em estudar o self me diz: Que depois de assistir o Filme Saraffina por sugestão do professor de História da Dança Africana pergunta Como é possível o perdão? Se perdoa de uma vez ou é um processo, pouco a pouco...

Outra estudante, me diz que acompanhou o processo da TRC e percebe alguma relação com Jacques Derrida quando este solidariza o perdão a mulher. Essa estudante reconhece a violência nos homens e em algumas mulheres quando essas estão sobre o efeito do álcool. Ela ata à violência a humilhação e a perda do poder e orgulho masculino.

Quarta-feira dia 18 foi eleições municipais, uma charge no jornal parece ilustrar bem os resultados. Nela aparece o presidente da África do Sul com pijama com as inicias do ANC e um despertador fazendo barulho com as iniciais do DA. Ao comentar sobre as eleições com o técnico administrativo da escola ele diz que ele vota com a maioria negra, ele é categorizado como pessoa de cor (coloured) e que a DA integra as pessoas do partido nacionalista, partido do antigo regime do apartheid. Ele conclui: “I can forgive but I can not forget!”
É possível o perdão? Para perdoar temos que esquecer? E o que a dança tem a nos ensinar sobre isso? Bem, esse o tema da pesquisa e já estou a perceber as vozes do silêncio.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Neblina

O dia amanheceu coberto com uma neblina e cada passo que dávamos, para a surpresa da pequena o sol abria o caminho. Eis uma bela metáfora para nosso momento no solo sul-africano. As últimas semanas tem sido de desafios - uma mordida da pequena; a distância do amado, o cancelamento inesperado de um tour, alguém usando meu cartão de crédito, uma briga noturna no apartamento vizinho, a cara fechada de algumas colegas de trabalho, um homeless que nos persegue ao retornarmos para casa. O choro vem, sinto-me vulnerável.
Chega a providência divina - a mordida é substituída por beijinhos carinhosos cheios de arrependimento. O amado mesmo longe demonstra cuidado e atenção. Para pedir desculpas do cancelamento do tour, a agência ofereceu um outro de cinco dias pelo preço de quatro e a apreciação da natureza entre o atlântico e o índico tem sido uma experiência insólita. O banco está a resolver o problema do cartão. Para compensar um vizinho violento, que por sinal se aquietou; temos uma vizinha com filha pequena que se ofereceu para ficar com a pequena quando eu precisar, assim como a sua professora também. No trabalho, a cara fechada num dia, se transforma num sonoro Hello! num outro dia. Para fugirmos do homeless encontramos abrigo na lavanderia e o dono nos levou para casa. Diante de tudo isso, agradeço e sinto-me abençoada.
Sim, na vida diária temos desafios que como neblina encobrem nossa visão ao longo do caminho, mas o sol da confiança, da solidariedade, da presença divina aquece o nosso coração e nos abre o caminho e só nos resta sorrir.