Constante Respirar
Ida Mara Freire
Há algo mais constante e inconstante que o ato de
respirar? Esta pergunta vem a mente ao assistir
o espetáculo da Triz Compania de
dança. Como uma milonga é concebida
numa atmosfera própria e particular, Em
constante é dirigido pela dançarina e coreógrafa Diana Gilardenghi tendo o
ar como elemento principal. Deste modo, posso dizer quer os movimentos
respiratórios das criadoras-intérpretes Michelle Pereira e Nastaja Brehsan são compartilhados com intensa volubilidade entre as mesmas que alcançam
a plateia como a brisa marinha se altera sem muito anunciar.
A cena inicial dos corpos gentilmente inclinados
para frente, já denuncia a pretensa busca de estabilidade que muitos insistem
em viver. Pneuma, respiração, brisa, uma corrente de ar, vento, espírito: o
ar é potencializado no cenário de Lucila Vilela ao dispor no espaço ventiladores de variados tamanhos e alturas. Mas,
opondo-se à inconstância há dois pequenos bancos de
madeira que atuam como pontos fixos na terra. A iluminação de Ivo Godois
circunscreve o espaço com tonalidades da
palheta de Rembrandt, a penumbra com
foco direcional aproxima o espectador dos corpos que dançam.
Nos 40
minutos da coreografia o público pode perceber no equilibrado jogo cênico das dançarinas as
tentativas da contemporaneidade de apanhar o ar com as mãos; Dar vazão à
fluidez aquática dos gestos invertidos; Diluir-se no corre-corre; Queimar-se
por dentro em busca de coesão; Enraizar-se no corpo do outro; Perder-se no brincar ou no brigar. O ápice dramático
do espetáculo está na cena quando as
duas intérpretes estão lado a lado sentadas nos bancos, cada uma envolta no seu
próprio manto: um de emoção e outro de apatia, uma a chorar desconcertantemente por uma
invisível dor no pé, a outra a cultivar uma constrangedora indiferença ao
observar as unhas das mãos.
A pausa do gesto e o silêncio do choro, faz que a
angústia de quem vê ocupar aquele espaço, entre o chão e o pé, a dor que não o toca. Assim, neste respirar ora ofegante ora tranquilo, nos momentos que estamos a suspirar, e nas circunstâncias
que nos tiram o fôlego, compõe-se as baladas e os ritmos sobrepostos de emoções
e sensações presentes na trilha musical de Neno Miranda.
E, para nosso evidente mundo de aparência Alice Assal concebe o figurino fluido, não necessariamente poroso, protege
sem inibir os movimentos; camada exposta a revelar a essência e a carne que a sustém no movimento de
reconstruir-se constantemente. No final, a plateia é convidada a mirar-se e
atentar às transições de se estar diante da própria dor e da alegria dos
outros. Pois, em meio aos vendavais e as
brisas da vida é bom lembrar que no ato de respirar fazemos todos parte da
mesma dança.
Crítica Publicada no Jornal Notícia do dia em 27 de
Agosto de 2012.
www.escrevedance.blogspot.com
"[...] no ato de respirar fazemos todos parte da mesma dança".
ResponderExcluir=)
Lindo texto Ida. Ainda não vi o espetáculo, contudo, é um prazer ler um texto assim consistente! Obrigada!