O caminhar se transforma em passos de dança, a respiração se
torna fala, e a fala se faz canção. Ritmos que brotam do corpo, raízes de uma
tradição. Movimentos que aqui estão,
antes mesmo de eu nascer. Mas ao dançar,
sei quem sou, de onde venho para onde eu
vou. Vou com o meu corpo, e o meu corpo vai bem, que em yorubá quer dizer ara temi olé. Palavra que nomeia o espetáculo do Teatro Alkmico concebido
por Luiz Canoa e dirigido por Marta
Cesar, o qual explora as complexas possibilidades estéticas das danças
tradicionais de matrizes africanas e
afro brasileiras como repertório para a composição contemporânea, encenado 6 de novembro no projeto 7:30 do TAC.
No mês da Consciência
Negra uma obra artística de dança-teatro
que se propõe refletir acerca da cultura africana no contexto brasileiro com
intuito de transcender fronteiras de cor ou regionalidade merece ser apreciado.
A coreografia captura a atenção da plateia na cadência rítmica
do elenco composto por Alexandra
Alencar, Ivan Vendemiatti, Luiz Canoa e Simone Fortes. Os movimentos do corpo que
dança fazem notar as intersecções entre rodas e giros.
A música criada nas plantas dos pés ou nas pontas dos dedos e palmas das mãos, do estalo da língua, acompanha
instrumentos musicais com
sonoridades impares tais como trombone, pifano,
kalimba, dunun que atuam como elementos cênicos, integram
a trilha composta por Leandro
Fortes e permite o espectador vislumbrar o diálogo entre a tradição
do som do atabaque e a contemporaneidade dos agudos eletrônicos da
guitarra.
A gestualidade do
grupo de intérpretes-criadores descreve uma narrativa refletida no espelho do
tempo, ora escrita na areia da praia ora deslizada nas águas entre o limo e as pedras dos rios, em ritos, risos e riscos, contudo, todos gravados na memória da pele. A história
de luta na capoeira, a canção
inspirada no banzo e os pés que dançam o
samba, circunscrevem no corpo a vontade
de ser livre.
A cenografia de Ana
Pi busca
como um opaxorô servir de apoio para a locomoção da potência
criativa. Suzana de Souza Silveira veste e decifra o desafiante corpo sincrético. A sutileza da iluminação de Marcello Serra quando rasteira põe em evidência o dourado do
trombone exposto ao chão ao fundo do palco, já o foco de luz
direcionado sustenta o gesto em pausa exigindo da pessoa que vê uma percepção
além do que é oferecido aos olhos.
Na penumbra entre a noite e o amanhecer, no silêncio
possível do mundo, Aratemiolé sugere o aguçar
dos sentidos para escutar a própria
voz, banhar-se nos aromas das
flores, descobrir-se nas texturas dos búzios do mar, reconhecer-se no outro e
constatar: meu corpo vai bem
acompanhado.
ida.mara.freire@ufsc.br
Professora Associada do Centro de Ciências da Educação da UFSC
Pós- doutorado em Dança pela University of Cape Town, África do Sul
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