sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Politicamente o corpo dança po(é)ticamente...


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARIANA - UFSC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE (doutorado)
PROFESSORA: Ida Mara Freire
ALUNO: Rogério Machado Rosa
SEMESTRE: 2012/2
DISCIPLINA: Estética do Silêncio: Alteridade, Arte e Educação

Primeiro ato
Politicamente o corpo dança po(é)ticamente...

No espetáculo “Skeleton Dry”, Gregory Maqoma parece convidar-nos a seguir um percurso analítico onde o foco é o humano corpo em processo de decomposição. Ossos sem carne. Os fósseis se tornaram a revelação da vida que uma vez foi, mas ainda poderia ser. “Skeleton Dry” é uma dança narrativa sobre o mundo do silêncio, em particular, o silêncio que cala a alteridade. Silêncio que denuncia as dores de uma comunidade que teve e tem na cor da pele o código de sua condenação. Cor da pela à flor da pele: silêncio dançado que cria uma imagem do que poderia ter sido. Ossos secos inspirando vida, arte, poesia... Ossos secos dançando atividade política. Reivindicam legitimidade ao ser em todos os seus estilos e formas de ser.  Não há ser possível - o eu - na ausência do Outro-Ser. Não há outro-ser possível na ausência de responsabilidade do eu ante do outro. Não há, definitivamente, como SER fora da dança Eu x Outro. Não há, portanto, dança possível na ausência do outro. A dança do “silênciamento” da morte do outro proposta por Maqoma pode ser traduzida como um manifesto político. Uma política da alteridade. Um posicionamento público em defesa da “sacralidade” radical da vida nua. Ao dançar a decomposição do corpo humano violentado, tece vida que é ou que pode vir-a-ser! Assim, assistimos em “Skelenton Dray”, gestos rigorosamente comprometidos com a irredutibilidade e com o mistério do outro. Ser-Outro-Ser. Se-dança ao dançar-com. Transe diante do espelho, o outro: não irredutível ao eu, mas seu parceiro perpétuo e condição de sua existência. O outro em nós perpetuando diferença. Outro que me/nos pari outros, que preenche vazios e encarna ossos secos.


Segundo ato
A linguagem do outro: “reverberança” em nós...

 “A linguagem é algo que faz com que o mundo esteja aberto para nós”, diz Larrosa (2006, p. 49). As palavras ditas, alteradas ou silenciadas formam um conjunto de esquemas “que delimitam e dão perfis às coisas, às pessoas e, inclusive a nós mesmos” (Idem, 49). Bailarinas e misteriosas, quando ditas, escritas ou silenciadas, as palavras pulsam sentidos. Elas tecem nossos corpos, mas somente em absoluta coexistência a outros corpos. Assim, a tarefa de lidar com a palavra do outro e seus modos de expressão gera desassossego. Gera dúvidas e desconfortos naqueles/as que “dão sua palavra” ao outro e com isso comprometem-se com a legitimidade do seu estar no mundo. Ao outro chegamos pela palavra que profere, pelos enunciados de sua gramática corporal, pelo timbre e vibração de sua voz, enfim, pelo banhar-se pela vibrante potência da sua linguagem; ainda que seja a do seu silêncio. Mas é árdua a tarefa de usar a palavra do outro para tentar, a partir dela, conhecê-lo e reconhecer-me nele. Os riscos são muitos. Da subordinação do sentido do enunciado do outro aos meus sentidos. Da rotulação do dizer do outro àquilo que por outros já foi dito ─ dizeres hegemônicos ─, à condenação da sua própria palavra à autodefinição do seu corpo, de seu pensamento, de sua subjetividade. Parece-me que o esforço maior está na “acontecimentalização” da palavra do outro, dos sentidos por ela emanados. Está na tarefa de deixar que ela entre em cena, e, livremente, conte suas versões e dance sob a melodia que embala o seu acontecer.   
No rosto, o outro se entrega em pessoa como outro, ou seja, como o que não se revela, como o que não se deixa tematizar. Não poderei falar do outro, convertendo-o em tema ou dizendo-o como objeto, no acusativo. Somente posso, somente devo falar ao outro, ou do outro, se chamar-lhe em vocativo [...], (DERRIDA, 1997, p. 139).

Essa talvez seja uma possível saída para a temática do manuseio e tradução da narrativa do outro, qual seja, a possibilidade de construção de uma política, de uma amizade poética e de uma est(é)tica do encontro com o outro e seus dizeres, devires e derivas. Logo: nossos dizeres, nossos devires, nossas derivas...
Referências
DERRIDA, Jacques. La escritura y La diferencia. Barcelona: Anthropos, 1997. 

LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascarada /4. ed./- Belo Horizonte; Autêntica, 2006. 

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