UFSC
– CED – PPGE – ECO
Estéticas
do Silêncio: Alteridade, Arte e Educação.
Profa.
Dra. Ida Mara Freire
Mestranda
Viviane Lima Ferreira
Resenha
crítica do Filme Moolaadé de Ousmane Sembène
A
Estética da dor
Ser bilakoro é uma desonra. A circuncisão
dos clítoris das pequenas meninas é uma tradição mantida na pequena vila
Djerrisso, em Burkina Faso. Os tambores anunciam a procura de seis meninas. A
narrativa africana questiona se é possível ser mulher em África e tomar as
decisões sobre o seu corpo. “As emoções são provocadas não por estímulos mas
por situações, totalidades que só tem sentido por uma vida” (MERLEAU-PONTY,
1990, p. 302). Quatro meninas recorrem à casa de Collé, pois acreditam que se a
sua filha, Amsatou, é uma mulher não circuncidada, elas também podem ser. Collé
profere o Moolaadé que as protegerá da influência das Salindanas – sacerdotisas
que mantêm a mutilação – e dos anciões “dignatários” da Mesquita que temem
perder o seu poder sobre as suas esposas.
“O ritual não é uma linguagem-sinal
exterior ao que significa, mas é uma linguagem emblemática, onde significante e
significado não são separáveis” (MERLEAU-PONTY, 1990, p. 305). Uma corda é
amarrada à porta, somente pode-se sair, salvo a família que ali vive. “Duas”
das “meninas que estavam desaparecidas atiraram-se para o poço” (MOOLAADÉ,
2004). Os acontecimentos vão gerando uma tensão entre os pontos atingidos, as
mães sentem a morte de suas filhas. Os maridos confiscam os aparelhos de rádio,
pois são eles os culpados pela intransigência das mulheres da vila. “A
expressão da dor é o meio de ser dor”(MERLEAU-PONTY, 1990, p. 305).
“Toda consciência é uma consciência que
imagina; tomar a consciência do mundo é, de um certo modo,
superá-lo.”(MERLEAU-PONTY, 1990, p. 311). Num diálogo indignado, uma das
mulheres da vila fala para a mulher do porta-voz da aldeia, Sanata (de casta
inferior):
“- Já que andas muito com os homens, sabes
porque nos tiraram os rádios?
“- Os nossos homens querem controlar as
nossas mentes.
“- Mas como podem eles controlar algo
invisível.
“
- Somos todas ignorantes.
Estou lhe dizendo.” (MOOLAADÉ, 2004)
Existe a liberdade de Collé que entrega
sua própria imagem através da palavra Moolaadé para o impensado naquela
realidade (MERLEAU-PONTY, 1990, p. 313). A estrutura da narrativa conduz ao
clímax, Collé é chicoteada em frente a Mesquita para que acabe com o Moolaadé.
Ela não cede. Ao seu lado há uma pilha de aparelhos de rádio em chamas. As
feridas de Collé são como flores expelidas pela pele, a marca na carne da beleza,
o sangue que carrega a liberdade (Silêncio n. 5). No meio da confusão, a
pequena Diattou é recolhida pela mãe mas morre por perda excessiva de sangue no
ritual de purificação.
“Há possibilidade de compreender a
modificação do universo de pensamento pela modificação da linguagem”
(MERLEAU-PONTY, p. 317). O romper do silêncio acaba quando as mulheres lembram
que “O grande Imã disse-o na rádio: a Purificação não é um requisito do
Islamismo” e frente ao homens acabam com a purificação cantando: “Wasa! Wasa!”.
Antenas de TV chegam a vila.
Referências
MERLEAU-PONTY, Maurice. A experiência do
outro. In: MERLEAU-PONTY. Merleau-Ponty na Sorbonne: resumo dos cursos 1949-1952. Campinas: Papirus, 1990. p.
287-317.
MOOLAADÉ. Dirigido por Ousmane
Sembene. Senegal: Cine-Sud
Productions, 2004. Descrição física com detalhes de número de unidades, 120
min, falado idioma crioulo africano (mooré/arabe), legendado em português.
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