terça-feira, 16 de setembro de 2014

Solos de Silêncio

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Vestígios do Silêncio
Ida Mara Freire

Existe muita coisa dentro do silêncio, descobrem Camila Miranda e Meline Costa, intérpretes criadoras do espetáculo Solos de Silêncio, apresentado  dia 05 de setembro na Casa das Máquinas , contemplado com o Prêmio Elisabete Anderle.
 
Foto de August Murad
Em cena as mãos das dançarinas tateiam a terra. A menina espectadora analisa a composição do solo ali exposto: seria argila, areia, silte... Solo. 1. Superfície sólida da crosta terrestre onde pisamos e construímos; 2. Bailado executado por um só dançarino; 3. Primeiro voo que o aluno de pilotagem faz sozinho, desacompanhado do instrutor. Escavo o solo silenciosamente a procura de palavras ainda vivas. 

Como escavar o movimento  criativo   e os modos de reconstrução do espaço para lidar com o conflito e a diferença numa dimensão dual? Ao colaborar com a pesquisa do espetáculo Diana Gilardenghi atualiza o papel do coreógrafo como aquele que  pergunta,  ouve atentamente e divide a responsabilidade com o outro. Esmera-se em atentar para o que não é dito, mas é dado  pela expressão facial, os gestos e a linguagem corporal, busca  com isso a inter-relação entre gestos e silêncio.

Mas os dois corpos, vestidos por Alice  Assal,  resistem ora calçados com suas botas ora com os pés livres na terra. Insistem e transbordam além das linhas e formas de um sistema complexo onde incessantemente vivem organizações, inércias, desorganizações e processos caóticos. Ao redor do tecido pendente do teto ao chão, tecem com o público a veracidade  das tramas que exacerbam o fato de que estamos a todo momento construindo e reconstruindo aquilo que somos e buscamos  ao ser e  ao estar com o outro.

O silêncio no corpo é contenção, afina assertivamente a  sonoridade de  Jorge Linemburg. É assumir a cadência de uma trilha interior. A música  anuncia um outro destino. Pausa, para mover-se para outra direção. Uma  dança que  vem do chão, iluminada rasteiramente por Marcello Serra, luminosidade que rastreia  o tropeço e demarca o estilhaço de ser um em dois. No mover-se na horizontal,  acompanha-me  André  Lepecki, estudioso desse corpo que abraça  a horizontalidade só por um momento ou  para o resto da vida. Os Solos de silêncio desafiam a plateia a explorar a temporalidade  daquilo que se ganha  quando se perde verticalidade, e do que  se alcança quando se ganha horizontalidade. 

“Num campo de silêncio, onde pastam manhãs, estou pelo que sou” as palavras de   Thiago de Mello revelam os vestígios desse espetáculo que corrompe as estruturas inertes com uma obstinada sensibilidade, convidando o leitor e a leitora enraizarem a coexistência no solo do coração.

Email:  ida.mara.freire@ufsc.br
(*) Professora Associada do Centro de Ciências da Educação da UFSC, pós-doutorado em dança Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul.

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