sexta-feira, 31 de maio de 2013

Dramaturgia do Afeto

Espetáculo Nós/ Foto de Cristiano Prim


                                                           Dramaturgia do afeto[1]


Afeto, diz respeito a tudo que nos afeta e que nos faz existir, explicita  Sandra Meyer ao participar juntamente com  Andréa Bardawil e Alejanddro Ahmed no Diálogo ocorrido em 28 de maio no Múltipla Dança.  Sandra Meyer, professora doutora do CEART/UDESC, inicia a conversa reconhecendo que não há como não  pensar uma dramaturgia do afeto. Menciona a noção de afeto de Espinosa que ajuda perceber como nossa existência manifesta em nossos encontros com os outros,  é permeada de relações impressas no afeto. E o espetáculo  “Nós" apresentado a noite pela intérprete-criadora Erika Rosendo, concebido e dirigido por Jussara Xavier, pode ser um belo exemplo das noções desveladas na conversa.

Andréa Bardawil, coreógrafa e diretora  da Cia. da Arte Andanças, indaga com Espinosa que afetos você é capaz de criar ao interagir com o mundo? Afetos ternos ou tristes? A leitora e o leitor podem prestar atenção  no afeto como intensidade.  Pensar como seus afetos  aumentam a capacidade de agir  ou nos afetos que reduzem as ações  ao nada. O vídeo que inicia o espetáculo “Nós” projeta ao mesmo tempo o rosto da artista, falando de seu processo criativo e as  cenas de suas performances em Joinville.  Erika narra que um certo dia ao dançar no centro da cidade, uma voz  vinda do outro lado da rua  lembra a ela que o festival de dança já havia acabado. Ela, por sua vez pergunta ao transeunte se não era ali a capital da dança? Suas intervenções dançantes no centro de Joinville tornam-se um  jogo de afetações  entre o que percebe e o que é percebido.

Convida assim o espectador a exercitar a tolerância estética forjada na escolha de se dedicar um tempo para investigar o que não se gosta,  como nos ensina Alejandro Ahmed, diretor e coreógrafo Grupo Cena 11. Em suas proposições,  como os espetáculos "Violência", "SIM",  e "Carta de amor ao inimigo", o coreógrafo busca com esmero alterar a percepção do espectador ao problematizar a atitude contemplativa na relação  público e dançarino e ao explorar, na perspectiva  de Hannah Arendt, a noção de aparência como responsabilidade e não como crosta representativa na comunicação com o outro.

Observo ele parado no centro do palco, segurando  em suas mãos a roupa  e os sapatos dela.  Ao fundo a tela projetava em meios as manchas multicoloridas  as sombras  dela a dançar  fundindo na sombra dele ali estático. Ele, que minutos antes estava sentado na plateia, aceitou o convite de dançar com ela. Compartilho a teoria do convite de Wladimir Garcia que acena para a uma ética e uma estética em torno do outro e  das políticas de amizade e da hospitalidade.  Observo  que quando  Erika Rosendo, convida um a um para dançar, o seu convite efetua uma estética imprevisível e movente. E todos ali presentes  são esteticamente afetados.

As noções  e as filosofias que ancoram essas investigações dramatúrgicas  são  introduzidas na conversa não  com o intuito  de se fundar uma Filosofia da Dança, mas, para  experimentar, degustar a dança em sua filosofia primeira: o movimento em direção ao outro sustentado na ética do acolhimento.  Assim, quando o diferente aparece  o corpo não mais se retrai mas se expande.

Publicado no Notícias do Dia quinta 30 de maio 2013.









[1] Ida Mara Freire
Professora  associada do Centro de Ciências da Educação da UFSC. Pós-doutorado pela University of Cape Town- África do Sul

Dançar: vocação e profissão

Oficina Criação do Gesto com Suely Machado/ Foto Cristiano Prim

                                                 Dançar: Vocação e Profissão[1]

Na manhã de segunda-feira dia 27 de maio,  uma  brisa fria no ar,  o sol ainda se escondia  por trás das nuvens,  acompanhada  com a pequena nos deslocamos  para a Casa das Máquinas  no centrinho da Lagoa, para observarmos a primeira atividade do  Festival  Internacional Múltipla Dança, a saber, a oficina  Criação do Gesto. Chegamos lá, notamos  os participantes  deitados no assoalho movendo-se de acordo com as instruções  da bailarina e  coreógrafa Suely Machado: “...Olha a sua mão, foca a  sua mão... deite-se como se tivesse deitado em sua cama. Calma. Calma, a gente não vai chegar  em lugar nenhum com essa pressa. Perceba novamente a sua mão, o contato com o chão,  perceba como vai usar  a articulação, o lado que apoia e o lado que é apoiado... ”   

Tornar-se um dançarino leva-se  muito tempo. Muitos anos de muita prática.  Quando algum jovem estudante  perguntava à Marta  Graham (1894-1991) se ela achava que ele poderia ser um dançarino? Ela respondia: Se você tem dúvida, a resposta é não. E aconselhava: Somente embarque numa carreira como a dança  se  ela é um caminho que torne  a vida mais vívida  para você e para os outros.
Dançar é uma vocação ou uma profissão? O Múltipla Dança contribui para aprofundar  esse debate na cena pública quando inclui na programação um espaço  para o dançarino aperfeiçoar o seu gesto enquanto artista, ao mesmo tempo que oferece diálogos  acerca da profissionalização da dança tendo como tema as Políticas públicas e a APRODANÇA - Associação dos Profissionais de Dança de Santa Catarina. Na tarde de segunda-feira a  fala  de Lisa Jaworski, como presidente  dessa entidade  informa sobre as ações que  se tem realizado com intuito de agregar os associados, um exemplo é a criação do fórum de dança. Bia Mattar,  representante da região sul no Colegiado Setorial de Dança, vinculado ao MINC, traz informes dos desdobramentos das ações   do Plano Nacional de Dança.  Os relatos de Deivison Garcia, representante da entidade  no Conselho Estadual da Cultura, tornam  evidente a  necessidade de  mais recursos para área da Dança.    Suely Machado, com sua experiência como diretora do Grupo de Dança 1º Ato, na conversa, lembra que ao  se colocar dançarinos no palco,  estamos gerando  empregos não só para aqueles que dançam, mas para o marceneiro que  faz o cenário, a costureira que confecciona o figurino.   Deve-se levar em conta  também editais diferenciados para grupos  iniciantes e grupos com muitos anos  de experiência. No final deste painel, ficamos com a  questão de como  chamar o dançarino para participar  desse diálogo? 

A vocação, nos parece no caso da dança,  exigir que se pratique não  só o movimento no corpo singular,  mas também exige-se praticar o movimento no corpo social, que  inclui, dentre outras ações,  associar-se a uma entidade de profissionais da dança  e perceber que dançar também é um ato político. Lições bem assimiladas e  praticadas pelos dançarinos sul-africanos, pois lá onde você dança, com quem você dança, e que tipo de dança você executa e sua atitude frente à dança dirá alguma coisa sobre você, como uma pessoa política, bem como sobre você, como artista.
Publicado no Notícias do Dia quarta 29 de maio de 2013.







[1] Ida Mara Freire

Professora associada do Centro de Ciências da Educaçao da UFSC
Pós-Doutorado em Dança pela University of Cape Town, África do Sul

Cartas de Amor à Dança


Ensaio Aberto Cena 11/ Foto Cristiano Prim

Cartas de Amor à dança[1]



O Festival Internacional Múltipla Dança está de volta. Dirigido por Marta Cesar  e com curadoria compartilhada com Jussara Xavier mantém  a sua principal característica – a  multiplicidade de possibilidades do espectador interagir  com o mundo da dança:  espetáculos, diálogos, oficinas, vídeos, jam session, residência, conferência-demonstração, ensaio aberto.

No transcorrer dessa semana estarei aqui a escrever para ti amante ou quem sabe inimigo da dança.  Ao ler estas  palavras,   vocês poderão  reconhecer que elas guardam uma estreita relação com  o trabalho atual da companhia de Dança Cena 11, intitulado Carta de amor ao inimigo.  

E a 6ª edição do Múltipla  ao homenagear  os 20 anos do Cena 11,  sugere   que arrisquemos o estilo epistolar e tentamos estabelecer uma correspondência, palavra bonita, mas bem fora de moda em um tempo de e-mails, facebook , twitter e instragam. 

Por conseguinte, uma carta evoca uma exposição de si, sugere um reconhecimento do outro. E ao  endereçado  cabe a atenção, o acolhimento  das palavras gestuais, dançadas, o envolvimento nas proposições,  e quem sabe responder em seu tempo com sua própria corporeidade palavras amistosas, intuitivas, reflexivas, indagativas.

Dançar pode ser escrever  uma ação amorosa – convencer com arte e beleza que vale o risco de estar vivo.  Como Sherazade,  ao narrar  as mil e uma noites, criar, inventar razões para amar a vida independente  da possibilidade da morte à deriva, da violência à espreita, ou da dor  que se avizinha. Escrevemos todos  cartas de amor à vida que inspira nossa dança de cada dia.


Publicado no jornal Notícias do Dia em 27 /05/2013



[1] Ida Mara Freire
Professora Associada do Centro de Ciências da Educação da UFSC
Pós-doutorado pela University de Cape Town- África do Sul
E-mail: ida.mara.freire@ufsc.br