Espetáculo Nós/ Foto de Cristiano Prim
Dramaturgia do afeto[1]
Afeto, diz respeito a tudo que nos afeta e que
nos faz existir, explicita Sandra Meyer
ao participar juntamente com Andréa
Bardawil e Alejanddro Ahmed no Diálogo ocorrido em 28 de maio no Múltipla
Dança. Sandra Meyer, professora doutora do CEART/UDESC, inicia a conversa
reconhecendo que não há como não pensar
uma dramaturgia do afeto. Menciona a noção de afeto de Espinosa que ajuda
perceber como nossa existência manifesta em nossos encontros com os outros, é permeada de relações impressas no afeto. E
o espetáculo “Nós" apresentado a noite
pela intérprete-criadora Erika Rosendo, concebido e dirigido por Jussara
Xavier, pode ser um belo exemplo das noções desveladas na conversa.
Andréa Bardawil, coreógrafa e
diretora da Cia. da Arte Andanças,
indaga com Espinosa que afetos você é capaz de criar ao interagir com o mundo? Afetos ternos ou
tristes? A leitora e o leitor podem prestar atenção no afeto como intensidade. Pensar como seus afetos aumentam a capacidade de agir ou nos afetos que reduzem as ações ao nada. O vídeo que inicia o espetáculo
“Nós” projeta ao mesmo tempo o rosto da artista, falando de seu processo
criativo e as cenas de suas performances
em Joinville. Erika narra que um certo
dia ao dançar no centro da cidade, uma voz
vinda do outro lado da rua lembra
a ela que o festival de dança já havia acabado. Ela, por sua vez pergunta ao
transeunte se não era ali a capital da dança? Suas intervenções dançantes no
centro de Joinville tornam-se um jogo de
afetações entre o que percebe e o que é
percebido.
Convida assim o espectador a
exercitar a tolerância estética forjada na escolha de se dedicar um tempo para
investigar o que não se gosta, como nos ensina
Alejandro Ahmed, diretor e coreógrafo Grupo Cena 11. Em suas proposições, como os espetáculos "Violência", "SIM", e "Carta de amor ao inimigo", o coreógrafo
busca com esmero alterar a percepção do espectador ao problematizar a atitude
contemplativa na relação público e
dançarino e ao explorar, na perspectiva
de Hannah Arendt, a noção de aparência como responsabilidade e não como
crosta representativa na comunicação com o outro.
Observo ele parado no centro do
palco, segurando em suas mãos a
roupa e os sapatos dela. Ao fundo a tela projetava em meios as manchas
multicoloridas as sombras dela a dançar
fundindo na sombra dele ali estático. Ele, que minutos antes estava
sentado na plateia, aceitou o convite de dançar com ela. Compartilho a teoria
do convite de Wladimir Garcia que acena para a uma ética e uma estética em
torno do outro e das políticas de
amizade e da hospitalidade. Observo que quando
Erika Rosendo, convida um a um para dançar, o seu convite efetua uma
estética imprevisível e movente. E todos ali presentes são esteticamente afetados.
As noções e as filosofias que ancoram essas
investigações dramatúrgicas são introduzidas na conversa não com o intuito de se fundar uma Filosofia da Dança, mas,
para experimentar, degustar a dança em
sua filosofia primeira: o movimento em direção ao outro sustentado na ética do
acolhimento. Assim, quando o diferente
aparece o corpo não mais se retrai mas
se expande.
Publicado no Notícias do Dia quinta 30 de maio 2013.
[1] Ida Mara Freire
Professora associada do Centro de Ciências da Educação
da UFSC. Pós-doutorado pela University of Cape Town- África do Sul
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sexta-feira, 31 de maio de 2013
Dramaturgia do Afeto
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Obrigadíssima pelo belo texto, querida Ida!
ResponderExcluir"Nós" é um experimento que tenta oferecer questões, quer pensar a distância e conexão entre nós, encontros e desencontros, a tentativa de deixar marcas, atravessar o outro, afetar e ser afetado. Nós como embaraço, como coletivo...
E hoje no MÚLTIPLA DANÇA: o jogo das perguntas "Como viver juntos?", com João Fiadeiro e Fernanda Eugênio.
beijos pra vc Ida! É excepcional este espaço que conquistastes de escrita e publicação sobre dança! Parabéns e obrigada!