terça-feira, 27 de maio de 2014

Dança: criação infinita

 
                                             Dança: criação  infinita
Na noite de quarta-feira, no teatro da UBRO, o Múltipla Dança apresentou o solo Finita,  dirigido e interpretado por  Denise Stutz,  dedicado à sua mãe. Surgido da necessidade de compreender a falta, o que se vivenciou durante o espetáculo  foi o exercício de equilíbrio sutil  entre a lembrança e o esquecimento. Enquanto  a plateia  buscava um lugar para  assistir a dança, ao fundo do lado esquerdo  palco, ainda em penumbra, Denise Stutz já estava a se movimentar.
Foto de Cristiano Prim

Ela caminha para a frente do palco,  agora um pouco mais iluminado, conta estalando os dedos,  anda em direção, ao que faz imaginar ser  uma vitrola,   e a sonoridade de Preludio e fuga em dó maior de J.S.Bach invade o ar, vai para trás das cortinas. No palco, a cadeira vazia  preenche-se  com os pensamentos da plateia. Vestida de uma bermuda xadrez,  camiseta e um calçado confortável, ela se mostra  à vontade com o corpo, com a dança,  e com o lugar  aonde está: o teatro. Não se trata de um texto decorado, nem de passos demarcados, mas de um degustado trabalho de memória viva.  Narra para a sua mãe ausente  como que a vida de uma  bailarina  é sustentada por um infinito contar: um, dois, três, quatro...  Desfia como contas de um colar, fragmentos de uma vida permeada pela ausência e pelo desaparecimento de alguém que se ama; pérolas que a plateia, sensivelmente deslocada  entre sorrisos e lágrimas, colhe para si. “A vida  vai depressa e devagar. Mas a todo momento penso que posso acabar.” Cecília Meireles com seus poemas  enraíza nossa finitude em nossa mente. Similarmente, Denize Stutz  ao dançar  faz que o espectador escave para além dos tecidos de sua pele suas memórias corporais. Ambas  nos oferecem  o cálice da demora  da ausência em nosso  próprio ser,  essa despedida pronta  a cumprir-se. Diante do aplauso dá-se o sinal que o espetáculo acabou,  desconfiado o público não sabe como se comportar ao ver que a bailarina Denise Stutz não para de dançar.
“Meu processo de criação me ocupa o dia todo. Às  vezes estou na rua , e não estou enxergando, acordo a noite para resolver  um problema. Porque são problemas ou resoluções. É muito interessante quando estou nesse estado de criação que é necessário dizer. Você tem a sensação da necessidade de falar e você começa a construir. A construção e  desconstrução de um material de criação é quase matemática.  A criação é uma desorganização.” Essa escrita de Denise Stutz  está impressa no livro de Lilian Vilela  intitulado  “Uma vida em dança:  movimentos e percursos de Denise Stutz”, lançado na noite de quinta-feira  na Fundação  BADESC,  juntamente com o filme Limiares, dirigido por Sandra Meyer, sobre a vida  do  dançarino Anderson  João Gonçalves. Mais  um  momento  que  fomos suspensos pela percepção que o corpo é finito, mas a dança  é eterna.
Ida mara Freire ida.mara.freire@ufsc.br Professora Associada  do Centro de Ciências da Educação da UFSC. Pós-Doutorado em Dança pela Universidade  da Cidade do Cabo, África do Sul.


Publicado no Jornal Notícias do Dia 26/05/2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário