Dança:
criação infinita
Na
noite de quarta-feira, no teatro da UBRO, o Múltipla Dança apresentou o solo
Finita, dirigido e interpretado por Denise Stutz,
dedicado à sua mãe. Surgido da necessidade de compreender a falta, o que
se vivenciou durante o espetáculo foi o
exercício de equilíbrio sutil entre a
lembrança e o esquecimento. Enquanto a
plateia buscava um lugar para assistir a dança, ao fundo do lado
esquerdo palco, ainda em penumbra,
Denise Stutz já estava a se movimentar.
Foto de Cristiano Prim |
Ela
caminha para a frente do palco, agora um
pouco mais iluminado, conta estalando os dedos,
anda em direção, ao que faz imaginar ser
uma vitrola, e a sonoridade de
Preludio e fuga em dó maior de J.S.Bach invade o ar, vai para trás das
cortinas. No palco, a cadeira vazia
preenche-se com os pensamentos da
plateia. Vestida de uma bermuda xadrez,
camiseta e um calçado confortável, ela se mostra à vontade com o corpo, com a dança, e com o lugar
aonde está: o teatro. Não se trata de um texto decorado, nem de passos
demarcados, mas de um degustado trabalho de memória viva. Narra para a sua mãe ausente como que a vida de uma bailarina
é sustentada por um infinito contar: um, dois, três, quatro... Desfia como contas de um colar, fragmentos de
uma vida permeada pela ausência e pelo desaparecimento de alguém que se ama; pérolas
que a plateia, sensivelmente deslocada entre
sorrisos e lágrimas, colhe para si. “A vida
vai depressa e devagar. Mas a todo momento penso que posso acabar.”
Cecília Meireles com seus poemas enraíza
nossa finitude em nossa mente. Similarmente, Denize Stutz ao dançar
faz que o espectador escave para além dos tecidos de sua pele suas memórias
corporais. Ambas nos oferecem o cálice da demora da ausência em nosso próprio ser,
essa despedida pronta a
cumprir-se. Diante do aplauso dá-se o sinal que o espetáculo acabou, desconfiado o público não sabe como se
comportar ao ver que a bailarina Denise Stutz não para de dançar.
“Meu
processo de criação me ocupa o dia todo. Às
vezes estou na rua , e não estou enxergando, acordo a noite para
resolver um problema. Porque são
problemas ou resoluções. É muito interessante quando estou nesse estado de
criação que é necessário dizer. Você tem a sensação da necessidade de falar e
você começa a construir. A construção e
desconstrução de um material de criação é quase matemática. A criação é uma desorganização.” Essa escrita
de Denise Stutz está impressa no livro
de Lilian Vilela intitulado “Uma vida em dança: movimentos e percursos de Denise Stutz”,
lançado na noite de quinta-feira na
Fundação BADESC, juntamente com o filme Limiares, dirigido por
Sandra Meyer, sobre a vida do dançarino Anderson João Gonçalves. Mais um momento que fomos
suspensos pela percepção que o corpo é finito, mas a dança é eterna.
Ida mara Freire ida.mara.freire@ufsc.br
Professora Associada do Centro de
Ciências da Educação da UFSC. Pós-Doutorado em Dança pela Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul.
Publicado no Jornal Notícias do Dia 26/05/2014
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