O
dançar e o Tempo
O Festival Internacional Múltipla
Dança, na tarde de terça-feira, iniciou-se com um diálogo entre o Alejandro Ahmed,
Lilian Vilela e Denise Stutz, acerca da
pesquisa biográfica em dança. No
auditório do Centro de Desportos da
UFSC, um público de estudantes, dançarinos, pesquisadores e professores tiveram
a oportunidade de ouvir, conversar sobre
a articulação da narrativa com o tempo e
explorar como uma escrita biográfica
auxilia a dar forma à experiência humana. A pesquisadora Lilian Vilela descreve seu processo de escrita biográfica sobre a
dançarina Denise Stutz, registrando uma intrincada teia textual entre memória,
corpo e escritura. A composição do diálogo coloca lado a lado aquela que escreve a respeito da vida daquela que dança. E Denise Stutz, também presente na conversação,
desvela que sua história e sua memória
estão presentes mais em seu
corpo que em suas palavras. O coreógrafo e dançarino Alejandro Ahmed,
permite que sua trajetória de vida embaralhe-se com a da Companhia de Dança Cena
11, busca apreender a
biografia como comunicação de ideias do corpo presente no tempo e no
mundo. Por conseguinte, a narrativa no contexto da dança expõe os eventos dentro
de uma ordem particular e nos faz
perguntar como o corpo lembra?
Ao trazer em cena a biografia no
contexto da dança, seja ela escrita na carne, ou palavras verbalizadas, o Múltipla Dança
sugere o exercício de vasculharmos nossa
atitude perceptiva e tentarmos
identificar como o tempo afeta a nossa compreensão de nós mesmos. Essa busca da temporalidade ancorada na
interrogação prioriza a descrição da
experiência vivida. Tal
conhecimento incentiva a leitora e o leitor contar
diferentes estórias sobre si mesmo no transcorrer da vida. Surpreendentemente,
a narrativa sobre a vida de cada um de
nós mudará durante o tempo que estivermos vivos. O que se mantém, o que se modifica na existência,
e no corpo, que cria a sensação dessa dança escorrendo entre os dedos do tempo
vivido?
Cia de Dança Esther Witzman Foto de Cristiano Prim |
Indagação essa que Alexandre Bhering, Marcelo Lopes, Mônnica Emilio, Peter
Mark, Vandré Vitorino, elenco da Companhia de
dança Esther Weitzman,
encorajou a plateia pensar
ao apresentar a coreografia
intitulada O Tempo do Meio. Dirigido por Esther Weitzman,
o espetáculo de abertura do
Múltipla, enfatiza a valorização do movimento
como um acontecimento único e inusitado, chamando atenção, por exemplo, para o instante entre o passo e o estalar dos dedos do
dançarino, na composição do silêncio circunscrito
na musicalidade de Jean Jacques Lemêtre, no qual o tempo nunca passa.
A pausa revestida pela
luminosidade impressionista de José Geraldo Furtado e as
transposições do movimento entre os corpos que ali no cenário
de Leo Bungarten são traduzidas
na leveza e no vazio, descortinam um esperar para compreender. Para o corpo que
dança, o instante não é uma ficção, e
sim, o ponto em que um gesto se
acaba e um outro começa.
Ida mara Freire ida.mara.freire@ufsc.br Professora
Associada do Centro de Ciências da
Educação da UFSC. Pós-Doutorado em Dança pela Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul.
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