UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA
CATARIANA - UFSC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
EDUCAÇÃO – PPGE (doutorado)
PROFESSORA:
Ida Mara Freire
ALUNO:
Rogério Machado Rosa
SEMESTRE:
2012/2
DISCIPLINA:
Estética do Silêncio: Alteridade, Arte e Educação
Primeiro ato
Politicamente o corpo dança po(é)ticamente...
No
espetáculo “Skeleton Dry”, Gregory Maqoma parece convidar-nos a seguir um
percurso analítico onde o foco é o humano corpo em processo de decomposição.
Ossos sem carne. Os fósseis se tornaram a revelação da vida que uma vez foi,
mas ainda poderia ser. “Skeleton Dry” é uma dança narrativa sobre o mundo do
silêncio, em particular, o silêncio que cala a alteridade. Silêncio que
denuncia as dores de uma comunidade que teve e tem na cor da pele o código de
sua condenação. Cor da pela à flor da pele: silêncio dançado que cria uma
imagem do que poderia ter sido. Ossos secos inspirando vida, arte, poesia...
Ossos secos dançando atividade política. Reivindicam legitimidade ao ser em todos os seus estilos e formas de
ser.
Não há ser possível - o eu - na ausência do Outro-Ser. Não há outro-ser
possível na ausência de responsabilidade do eu ante do outro. Não há,
definitivamente, como SER fora da dança Eu x Outro. Não há, portanto, dança
possível na ausência do outro. A dança do “silênciamento” da morte do outro
proposta por Maqoma pode ser traduzida como um manifesto político. Uma política
da alteridade. Um posicionamento público em defesa da “sacralidade” radical da
vida nua. Ao dançar a decomposição do corpo humano violentado, tece vida que é ou que pode vir-a-ser! Assim, assistimos
em “Skelenton Dray”, gestos rigorosamente comprometidos com a irredutibilidade
e com o mistério do outro. Ser-Outro-Ser.
Se-dança ao dançar-com. Transe diante do espelho, o outro: não irredutível ao
eu, mas seu parceiro perpétuo e condição de sua existência. O outro em nós
perpetuando diferença. Outro que me/nos pari outros, que preenche vazios e encarna ossos secos.
Segundo ato
A linguagem do outro: “reverberança” em nós...
“A linguagem é algo que faz com que o mundo
esteja aberto para nós”, diz Larrosa (2006, p. 49). As palavras ditas,
alteradas ou silenciadas formam um conjunto de esquemas “que delimitam e dão
perfis às coisas, às pessoas e, inclusive a nós mesmos” (Idem, 49). Bailarinas
e misteriosas, quando ditas, escritas ou silenciadas, as palavras pulsam
sentidos. Elas tecem nossos corpos, mas somente em absoluta coexistência a
outros corpos. Assim, a tarefa de lidar com a palavra do outro e seus modos de
expressão gera desassossego. Gera dúvidas e desconfortos naqueles/as que “dão
sua palavra” ao outro e com isso comprometem-se com a legitimidade do seu estar
no mundo. Ao outro chegamos pela palavra que profere, pelos enunciados de sua
gramática corporal, pelo timbre e vibração de sua voz, enfim, pelo banhar-se
pela vibrante potência da sua linguagem; ainda que seja a do seu silêncio. Mas
é árdua a tarefa de usar
a palavra do outro para tentar, a partir dela, conhecê-lo e reconhecer-me nele.
Os riscos são muitos. Da subordinação do sentido do enunciado do outro aos meus
sentidos. Da rotulação do dizer do outro àquilo que por outros já foi dito ─
dizeres hegemônicos ─, à condenação da sua própria palavra à autodefinição do
seu corpo, de seu pensamento, de sua subjetividade. Parece-me que o esforço
maior está na “acontecimentalização” da palavra do outro, dos sentidos por ela
emanados. Está na tarefa de deixar que ela entre em cena, e, livremente, conte
suas versões e dance sob a melodia que embala o seu acontecer.
No rosto, o outro se entrega em pessoa como outro, ou
seja, como o que não se revela, como o que não se deixa tematizar. Não poderei
falar do outro, convertendo-o em tema ou dizendo-o como objeto, no acusativo.
Somente posso, somente devo falar ao outro, ou do outro, se chamar-lhe
em vocativo [...], (DERRIDA, 1997, p. 139).
Essa talvez seja uma possível
saída para a temática do manuseio e tradução da narrativa do outro, qual seja,
a possibilidade de construção de uma política, de uma amizade poética e de uma
est(é)tica do encontro com o outro e seus dizeres, devires e derivas. Logo:
nossos dizeres, nossos devires, nossas derivas...
Referências
DERRIDA, Jacques. La
escritura y La diferencia. Barcelona: Anthropos, 1997.
LARROSA, Jorge. Pedagogia
Profana: danças, piruetas e mascarada /4. ed./- Belo Horizonte; Autêntica,
2006.